E SE A MÁSCARA CAIR?

FENÔMENO IMPOSTOR, CARACTERÍSTICAS PESSOAIS E BACKGROUND FAMILIAR DOS PÓS-GRADUANDOS STRICTO SENSU DA ÁREA DE NEGÓCIOS

Alison Martins Meurer1

Flaviano Costa2

Resumo:

Objetivo: Este estudo objetiva identificar os grupos de pós-graduandos stricto sensu da área de negócios que possuem níveis mais elevados de intensidade do Fenômeno Impostor (FI) a partir das características pessoais e do background familiar.

Método: Foram obtidas 1.816 participações válidas que representam 11,37% da população de pós-graduandos de cursos brasileiros de mestrado acadêmico, mestrado profissional e doutorado acadêmico em Administração, Contabilidade e Economia matriculados em 2018. O FI foi mensurado por meio da escala Clance Impostor Phenomenon Scale e as variáveis de agrupamento foram: gênero, cor e etnia, modalidade de Ensino Médio, nível de escolaridade da figura materna e paterna, e por fim, geração ao ingressar no Ensino Superior e na pós-graduação stricto sensu. Os dados foram analisados por meio do teste de Kruskal-Wallis com post hoc de Mann-Whitney.

Resultados: A forma como o Fenômeno Impostor é vivenciado é diferente entre os gêneros, evidenciando a importância de abordar o FI como um constructo bidimensional. Para a modalidade de Ensino Médio verificou-se que alunos de escolas particulares possuem maiores níveis de impostorismo, assim como os que a figura paterna e materna possuem ensino médio completo. Discentes da segunda geração a ingressar no ensino superior também apresentaram maior nível de sentimentos impostores, enquanto a cor e etnia e geração a ingressar na pós-graduação stricto sensu não apresentaram significância.

Contribuição: A bidimensionalidade do FI, a lente da Teoria da Atribuição, a confrontação com as premissas da literatura e as considerações práticas para minimizar o impostorismo apresentam-se como as principais implicações da pesquisa.

Palavras-chave: Fenômeno Impostor, Características Pessoais, Background Familiar, Pós-Graduação Stricto Sensu, Área de Negócios.

WHAT IF DOES THE MASK FALL?

IMPOSTOR PHENOMENON, PERSONAL CHARACTERISTICS AND FAMILY BACKGROUND OF STRICTO SENSU POST-GRADUATE STUDENTS IN THE BUSINESS AREA

Abstract:

Objective: This study aims at identifying the groups of graduate students in the business area that have higher levels of intensity of the Impostor Phenomenon (FI) based on personal characteristics and family background.

Method: 1,816 valid participations were obtained, representing 11.37% of the population of graduate students from Brazilian academic master's, professional master's and academic doctoral degrees in Administration, Accounting and Economics enrolled in 2018. FI was measured using the Clance Impostor Phenomenon Scale and the grouping variables were: gender, color and ethnicity, high school modality, level of education of the maternal and paternal figure, and finally, generation to enter higher education and post-graduate stricto sensu studies. The data were analyzed using the Kruskal-Wallis test with Mann-Whitney post hoc.

Results/Discussion: The results indicated that the way in which the Impostor Phenomenon is experienced is different between genders, highlighting the importance of addressing FI as a two-dimensional construct. For the high school modality, it was found that students from private schools have higher levels of impostorism, as well as those that the father and mother have completed high school. Second generation students entering higher education also had a higher level of imposter feelings, while color and ethnicity and generation entering stricto sensu graduate school were not significant.

Contributions: The two-dimensionality of the IF, the lens of the Attribution Theory, the confrontation with the premises of the literature and the practical considerations to minimize the impostorism are presented as the main implications of the research.

Keywords: Impostor Phenomenon, Personal Characteristics, Family Background, Stricto Sensu Graduate Studies, Business Area

1. INTRODUÇÃO

Os discentes de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado figuram entre um dos grupos mais vulneráveis e propensos a sofrer com estressores psicológicos no ambiente universitário (Levecque et al., 2017). A competitividade implícita neste meio e a construção de conhecimento em um curto período de tempo, quando combinados com fatores psicológicos podem implicar em diferentes consequências negativas tanto para o estudante, em termos comportamentais, quanto para o convívio com os colegas e docentes (Gravois, 2007; Cisco, 2020).

Dentre os fatores psicológicos que podem afetar o comportamento e o bem-estar do indivíduo na pós-graduação destaca-se o Fenômeno Impostor (FI) (Craddock et al., 2011). O FI consiste em sentimentos de falência interna presentes em indivíduos que possuem dificuldades para assimilar seu desempenho e sucesso alcançado (Clance & O’Toole, 1987). Pessoas com elevados sentimentos impostores são inseguras em relação às suas competências e habilidades e tendem a atribuir seu sucesso a fatores externos como sorte, acaso ou a atitudes workaholics (Clance & Imes, 1978). Dessa forma, o FI pode relacionar-se a autoestima, noção de autoeficácia, bem-estar subjetivo e demais emoções que são precedentes e antecedentes comportamentais capazes de impactar o convívio social do indivíduo (Clance, 1985; Spector & Fox, 2002; Chassangre, 2014; Matos, 2014).

Na pós-graduação observar o FI torna-se relevante, pois este ambiente tem sido retratado como maximizador da autonomia individual, complexo e que exige do estudante níveis elevados de autocontrole psicológico (Levecque et al., 2017). Acredita-se que as características do stricto sensu e os desafios e experiências vivenciadas neste meio fomentam sentimentos impostores que implicam em consequências distintas. Nesse sentido, o Centro de Excelência em Ensino da University of Waterloo (2016) afirma que pós-graduandos com sentimentos impostores apresentam baixa motivação, realizam menos pesquisas científicas e interagem menos em congressos e eventos acadêmicos. No papel de docentes são menos acessíveis aos estudantes, evitam funções departamentais, bem como a participação em eventos de extensão e a socialização com colegas e alunos, sendo que estes são elementos fundamentais para o desempenho da profissão de educador e pesquisador.

Em algumas áreas do conhecimento essas consequências são ainda mais preocupantes. Por exemplo, a área de negócios, foco desta pesquisa, é responsável por formar os líderes das organizações, e docentes com tais sentimentos podem afetar o perfil de liderança fomentado em seus discentes. Nessa linha, Kuna (2019) identificou que profissionais da área de negócios com sentimentos impostores tendem a prejudicar as organizações de diferentes formas, pois possuem baixa propensão a correr riscos e buscar inovações no contexto da gestão organizacional, podem manifestar comportamentos contraproducentes ou evitar novos desafios para a carreira profissional, como cargos de liderança (Clance & Imes, 1978).

Ademais, pesquisadores (e. g. Thompson, Foreman, & Martin, 2000; Dudău, 2014) descobriram que o FI pode ser maximizado por características pessoais, como cor, gênero e pelo histórico do nível de educação familiar, consistindo em disfunções interacionais da pessoa com o mundo, podendo limitar o potencial sucesso e representar barreiras no uso das suas capacidades intelectuais (Ross & Krukowski, 2003; Chassangre, 2014). Portanto, tem-se a oportunidade de fornecer evidências sobre o FI no stricto sensu brasileiro, à medida que as discussões acerca da temática são precursoras no Brasil e ao ignorar a análise destes sentimentos no stricto sensu sucumbe-se as possibilidades de contornar os efeitos adversos do FI em uma etapa essencial para a formação do profissional docente.

Desse modo, as preocupações inerentes a este fenômeno direcionam a seguinte questão de pesquisa: Quais os grupos de pós-graduandos stricto sensu da área de negócios que possuem níveis mais elevados de intensidade do Fenômeno Impostor a partir das características pessoais e do background familiar? O objetivo do estudo é identificar os grupos de pós-graduandos stricto sensu da área de negócios que possuem níveis mais elevados de intensidade do Fenômeno Impostor a partir das características pessoais e do background familiar.

Esta pesquisa se justifica e apresenta contribuições nos diferentes âmbitos profissional, acadêmico, científico e social. Referente ao âmbito profissional, sentimentos impostores podem afetar a eficácia das organizações nas quais esses indivíduos estão inseridos por estarem vinculados ao comportamento pessoal e a interação do empregado com o ambiente e os colegas de trabalho. Outra constatação que fortalece o debate sobre o FI é a elevada possibilidade de que qualquer indivíduo possa apresentar durante parte da vida pessoal, acadêmica ou na carreira profissional sentimentos impostores (Gravois, 2007). Logo, pretende-se contribuir com reflexões sobre o fato de os sentimentos impostores ultrapassarem o contexto acadêmico e inferir em consequências organizacionais delineadas a partir das relações sociais (Clance & Imes, 1978; Craddock, Birnbaum, Rodriguez, Cobb & Zeeh, 2011).

No âmbito acadêmico, o Fenômeno Impostor pode impactar negativamente a retenção de estudantes nas Instituições de Ensino Superior (IES). O FI ao afetar o comportamento dos discentes promove um ambiente de ensino não amigável e expande os riscos de evasão de alunos da instituição de ensino (Parkman, 2016). Nesse sentido, o FI interfere no percurso do discente e na propensão de finalizar o curso, condicionantes que podem prejudicar a avaliação do curso e da instituição a qual o discente está vinculado.

A pesquisa ainda é justificada em termos sociais, pois compreender as variáveis que diferenciam os níveis do Fenômeno Impostor entre os indivíduos é relevante a fim de reduzir suas consequências no desempenho, comportamentos e sentimentos vivenciados em diferentes ambientes no qual o discente está inserido. Parkman (2016) alerta sobre o poder preditivo do FI sobre a saúde mental dos universitários do nível educacional superior, principalmente pelas alterações psicológicas e aumento do número de suicídios ocorridos em campis universitários. Entre os pós-graduandos, casos recentes de suicídios ocorridos em diferentes partes do mundo e discussões sobre o estado psicológico desses alunos reforçam o interesse em explorar o FI e suas relações nesse nível de ensino (Business Insider UK, 2017; Folha de São Paulo, 2017a, Folha de São Paulo, 2017b; The Guardian, 2014; The Guardian, 2017).

Além das justificativas expostas, uma das principais contribuições da pesquisa consiste em identificar grupos que possuem sentimentos impostores em níveis mais elevados a fim de fornecer subsídios para os responsáveis por delinear ações educacionais nas IES. Assim, o FI poderá ser minimizado contribuindo para que a experiência vivenciada na pós-graduação stricto sensu seja efetiva ao formar um profissional docente autoconfiante e capaz de incentivar seus atuais e/ou futuros discentes.

2 TEORIA DA ATRIBUIÇÃO E FENÔMENO DO IMPOSTOR

O ser humano denota intensa necessidade de controlar, gerir e propor explicações para os acontecimentos que permeiam o cotidiano, a fim de compreender o comportamento próprio e dos outros (Weiner, 1985). Essa busca incessante por explicações fez com que o processo de atribuição passasse a figurar entre os principais motivadores do comportamento humano. Tal processo pode ser observado a partir da Teoria da Atribuição que busca explicar a percepção ou inferência causal que tratam dos vínculos realizados pelo indivíduo para explicar determinado resultado, ação ou consequência (Weiner, 1985). Desde a primeira metade do século XX, estudos seminais como o de Heider (1944) e Thibaut e Henry (1955) já discutiam a influência da percepção causal sobre o indivíduo e expunham esse anseio de entender e vincular os motivos das situações vividas.

Achados empíricos mostraram que essa influência ocorre a partir da percepção de sucesso, fracasso, emoções e tensões vivenciadas na consecução das tarefas e na assimilação dos resultados. Aspectos relacionados à sorte, ao esforço, às habilidades e às dificuldades da tarefa comumente são utilizados para justificar os resultados alcançados e apresentam-se como os determinantes mais importantes do sucesso e fracasso (Heider, 1944; Thibaut & Henry,1955).

Nesse âmbito, transferir resultados a causas está vinculado à construção da moral e das estruturas cognitivas que originam as tensões e emoções humanas. Sentimentos de sucesso e fracasso são experimentados quando podem, pelo menos em partes, ser vinculados a própria pessoa (Heider, 1944), por meio de formas individuais de vinculação e interpretação cognitiva.

A literatura revela que pesquisas iniciais buscaram investigar antecedentes do processo de atribuição e suas consequências a partir de um modelo geral linear (e. g. Thibaut e Henry, 1955), como o apresentado na Figura 1. Tal abordagem fomentou discussões de enquadramento teórico e metodológico e com o transcorrer do tempo têm recebido críticas e contribuições por parte de pesquisadores que abordam a temática.

Figura 1. Modelo geral linear do processo de atribuição.

Fonte: Kelley e Michela (1980).

De acordo com Kelley e Michela (1980) com o avanço das investigações sobre o processo de atribuição, essa forma linear de antecedentes-atribuição-consequências mostrou-se inadequada por não compreender o contexto em que o processo atributivo ocorre, bem como as dissonâncias imbuídas no processo lógico adotado pela pessoa e nos parâmetros de continuidade do comportamento do indivíduo.

Assim, dentro das vertentes que versam sobre o processo de atribuição abarcados pela Teoria da Atribuição, o Fenômeno Impostor (Clance & Imes, 1978) tem recebido atenção na compreensão da assimilação do sucesso e fracasso (Sonnak & Towell, 2001; Cusack, Hughes & Nuhu, 2013) por tratar o histórico do indivíduo, o ambiente no qual está inserido e seu comportamento cíclico. O Fenômeno Impostor pode ser utilizado para compreender as dissonâncias no processo atributivo existente em uma parcela específica da população: as que possuem dificuldades em atribuir seu sucesso às competências e habilidades internas (Clance & Imes, 1978).

O termo Fenômeno Impostor foi concebido na década de 1970 pelas pesquisadoras Clance e Imes após acompanharem mais de 150 mulheres bem-sucedidas, mas que possuíam diferentes inseguranças sobre suas habilidades e competências intelectuais. Essas participantes tinham como característica comum a atribuição de seu sucesso profissional ao acaso ou a fatores aquém das suas habilidades e competências intelectuais e, como consequência, o medo de serem julgadas perante situações de fracassos profissionais as inibiam de aceitar novos desafios profissionais (Clance & Imes, 1978). Com o decorrer das décadas diferentes estudos foram realizados a fim de compreender o Fenômeno Impostor em diferentes amostras e contextos, os achados indicaram uma pluralidade de possíveis fatores e consequências atrelados a este constructo.

Indivíduos com FI normalmente têm baixo grau de motivação e possuem dificuldades para lidar com situações de fracassos atribuindo suas deficiências à baixa capacidade intelectual. Essa forma de atribuição colabora com o desenvolvimento de problemas de motivação e de autoestima, sendo inibidos sentimentos de orgulho e reforçada a crença de que dificilmente conseguirão aprimorar e desenvolver habilidades que permitirão atribuir suas conquistas às suas competências pessoais (Sonnak & Towell, 2001; Cowman & Ferrari, 2002). Com isso, as expectativas e crenças de alcançar sucesso futuro são abaladas. Essas atribuições colaboram para a criação da autoimagem transmitida pela pessoa a partir dos seus diferentes interesses, e afetam as relações afetivas e sociais (Weiner, 1972).

Esse comportamento é reproduzido de forma cíclica no decorrer da vida se apresenta como uma barreira para internalizar o sucesso e progredir na carreira profissional. Na Figura 2 é apresentada uma síntese do comportamento destes indivíduos e as características que podem maximizá-lo.

Figura 2. Ciclo do Impostor.

Fonte: Chassangre e Callahan (2017, p. 102) adaptado de Clance (1985).

Na literatura há evidências teóricas e empíricas que apontam as relações familiares entre os principais catalizadores do Fenômeno Impostor (Craddock et al., 2011; Sonnak & Towell, 2001; Want & Kleitman, 2006). Gibson-Beverly e Schwartz (2008) explicam que as estruturas internas de autoconceito pessoal e a capacidade de lidar com os desejos alheios são construídos e afetados pelas relações estabelecidas no início da vida. Para os autores o ambiente familiar possui a capacidade de moldar o desenvolvimento e a personalidade do indivíduo, visto que as expectativas internalizadas podem pressionar a busca constante por sucesso, aceitação interpessoal e prejudicar a autoconfiança frente às suas competências.

Apesar das experiências familiares serem apontadas como fomentadoras do Fenômeno Impostor, nem todas as pessoas que cresceram nesse tipo de contexto familiar apresentam tais sentimentos impostores. Outros fatores podem ser atrelados ao FI (Chassangre, 2014), tais como gênero (Clance & Imes, 1978; Langford & Clance, 1993; Cusack et al., 2013), etnia e cor (Craddock et al., 2011; Parkman, 2016), e condições socioeconômicas (Sonnak & Towell, 2001), e quando manifestados em conjunto podem fortalecer a perpetuação do impostorismo.

Em relação ao gênero, Langford e Clance (1993) a partir de resultados empíricos de outros autores, expuseram que a probabilidade do gênero masculino e feminino apresentarem medos impostores são equivalentes, não sendo o gênero um fator relevante para a manifestação do FI. Da mesma forma Thompson et al. (1998) analisaram os sentimentos impostores de 164 universitários australianos do curso de Psicologia, os quais verificaram a inexistência de diferenças no nível do Fenômeno Impostor conforme o gênero.

Cowman e Ferrari (2002) compararam a intensidade dos sentimentos impostores de acordo com o gênero de 464 acadêmicos americanos que cursavam uma disciplina de Psicologia Introdutória. Os achados não apontaram diferenças significantes na intensidade dos sentimentos impostores. Matos (2014) analisou o nível do Fenômeno Impostor de discentes dos cursos de bacharelado em Administração e Ciências Contábeis de IES brasileiras e não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes na forma com que esta característica é manifestada em indivíduos de diferentes gêneros.

Por outro lado, Kumar e Jagacinski (2006) ao investigarem o Fenômeno Impostor em 135 universitários americanos do curso de Psicologia encontraram diferenças estatisticamente significantes nos níveis de medos impostores entre os gêneros. Da mesma forma, Legassie et al. (2008) verificaram junto a 48 residentes do curso de Medicina do Canadá a existência de diferenças marcantes nos níveis de medos impostores entre os gêneros feminino e masculino. As contradições existentes na literatura relativas ao gênero podem ser advindas das diferentes amostras e regiões analisadas, como Austrália, Canadá, Estados Unidos, países europeus e latinos.

Apesar destas divergentes constatações no tocante à intensidade do FI, notam-se elementos próprios sobre a forma com que cada gênero encara e desenvolve o Fenômeno Impostor ao longo da vida. Os homens são mais propensos a atribuir o sucesso às suas habilidades e fatores internos, enquanto as mulheres podem lidar com conflitos de papéis no decorrer de suas carreiras (Clance, 1985; Cokley et al., 2015). Entre as mulheres o impostorismo está associado ao medo de rejeição, a concepção de habilidades normativas e menores níveis de bem-estar, enquanto para os homens tem-se a aversão a falha (Kumar & Jagacinski, 2006). Estes diferentes modos de comportamentos e percepções vivenciadas em relação à própria competência podem estar relacionados às dinâmicas familiares experimentadas na infância, visto que Clance e Imes (1978) e Li, Hughes e Thu (2014) apontam que os estereótipos sociais atribuídos as mulheres prejudicam seu senso de autonomia, autoimagem e papel social.

A Teoria da Atribuição, em especial na dimensão da função da expectativa, pode auxiliar na compreensão dessas diferenças à medida que quando um resultado bem-sucedido é inesperado, o mesmo tende a ser atribuído a sorte ou ao esforço. Nesse sentido, mulheres criadas em um ambiente pouco autônomo podem atribuir seu sucesso a fatores aquém das suas competências inatas, justamente por não possuírem expectativas ambiciosas sobre o seu desempenho (Deaux, 1976; Cusack et al., 2013). Essa afirmativa considera o núcleo central do FI proposto por Clance e Imes (1978), o qual parte da premissa de que o sucesso das mulheres diverge das expectativas sociais que são incutidas a elas (Clance & Imes, 1978; Cokley et al., 2015) e pode fazer com que suas conquistas sejam atribuídas a fatores alheios às suas competências e habilidades. Nesta linha, a Hipótese Teórica 1 (HT1) afirma que:

HT1: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios que se identificam com o gênero feminino.

Referente às questões étnicas e raciais, relatos de doutorandos afro-americanos obtidos por Craddock et al. (2011) pontuam que a identificação do indivíduo com as pessoas e com o ambiente em que são desempenhadas as tarefas acadêmicas afeta a percepção de adequação e o senso de pertencimento ao contexto universitário. A baixa presença de pessoas afro-americanas no curso de doutorado foi apontada no trabalho de Craddock et al. (2011) como propulsora de dúvidas sobre a capacidade intelectual dos discentes, visto que o senso de não pertencimento ao ambiente no qual os pós-graduandos desempenham suas atividades estudantis minimiza a autoconfiança em realizar os compromissos universitários.

Além disso, as discussões de Parkman (2016) referentes ao ambiente acadêmico indicam que o estresse pode ser maior em grupos minoritários, como descendentes de pessoas oriundas de países orientais. Pontua-se que a não identificação dos alunos com grupos dominantes nos câmpus, somada ao tratamento desigual recebido de colegas e professores contribuem para que haja noção de inadequação e impostorismo advindos de características étnicas e de cor.

Stone et al. (2018) realizaram grupos focais com estudantes afrodescentes de um programa de pós-graduação americano com intuito de analisar indutivamente os sentimentos impostores destes alunos no decorrer de sua formação. Os relatos indicaram que os entrevistados sentiam ter baixa capacidade intelectual para desempenhar as atividades da pós-graduação. Alguns discentes relataram que sentimentos impostores adivinham do fato de receber bolsas ou participar de políticas afirmativas da instituição, nas quais colegas acreditavam que o seu ingresso na pós-graduação ocorreu por questões raciais e não por competência intelectual.

O pilar do pensamento de Heider (1944) é de que as pessoas buscam compreender as causas de seu sucesso. As cognições pessoais convergem para fatores internos ou externos atribuídos como causa das suas conquistas. A partir disso, a Teoria da Atribuição permite hipotetizar que grupos vulneráveis tendem a apresentar maiores níveis do Fenômeno Impostor (Parkman, 2016). Especificamente no Brasil, razões históricas, sociais e demográficas contribuem para que o percentual da população brasileira no ensino superior da cor preta ou parda e da etnia indígena seja menor do que o restante da população frequentadora deste ambiente (Moehlecke, 2004). A falta de identificação racial e social pode contribuir para que o pós-graduando não se identifique com o ambiente em que está inserido e sinta-se inseguro e acuado em relação às suas capacidades para realizar as tarefas do universo acadêmico (Craddock et al., 2011). Assim, a Hipótese Teórica 2 (HT2) afirma que:

HT2: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios que se autodeclaram indígenas, pardos ou pretos.

Matos (2014) analisou a presença do Fenômeno Impostor em graduandos dos cursos de nível superior em Administração e Ciências Contábeis de quatro IES localizadas no estado de São Paulo. Contrapondo as evidências elencadas na literatura internacional não foram identificados maiores níveis do Fenômeno Impostor em minorias sociais que utilizavam algum tipo de benefício para ingresso no ensino superior, como bolsas e financiamento estudantil. As descobertas da pesquisa abrem chancela para investigar outras características sociais que podem diferenciar os sentimentos impostores, como por exemplo, a modalidade na qual o ensino médio foi cursado.

Tal análise mostra-se oportuna a partir das discussões de Sonnak e Towell (2001) que verificaram que acadêmicos britânicos que frequentaram escolas particulares antes de ingressarem na universidade possuíam menor nível do Fenômeno Impostor. Os autores pontuam que os alunos ao perceberem que as instituições privadas em geral possuem padrões mais elevados de desempenho podem materializar sua presença no ensino privado como uma evidência de suas competências intelectuais acima da média, que por sua vez, minimiza sentimentos impostores.

Essa atribuição causal pode ser relacionada aos fatores externos e internos da Teoria da Atribuição (Heider, 1944). O discente pode partir do princípio de que a modalidade de ensino médio privada possui uma maior qualidade que a pública e, portanto, suas capacidades internas são maiores e mais efetivas do que as de discentes de instituições públicas. Dessa forma, a Hipótese Teórica 3 (HT3) afirma que:

HT3: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios que cursaram o Ensino Médio predominantemente em escolas públicas.

Ainda referente ao ambiente acadêmico, as características socioeconômicas e familiares mostram que o Fenômeno Impostor pode apresentar maior intensidade naqueles estudantes que são os primeiros da família a cursar alguma modalidade do Ensino Superior, seja graduação ou pós-graduação, constatação que sugere a necessidade de abordar essa característica em estudos sobre a temática (Matos, 2014). A pesquisa de Craddock et al. (2011) fortalece os argumentos que a insegurança dos alunos da primeira geração no Ensino Superior frente as qualificações profissionais e intelectuais de outros colegas de classe favorece o FI. Além disso, não pertencer a uma família que tenha membros com graduação ou pós-graduação aumenta a incerteza com o desempenho acadêmico, pois a autoconfiança e a adequação dos alunos com o ambiente universitário tendem a ser menores e elevam os medos impostores.

Gardner e Holley (2011) entrevistaram 20 alunos americanos pertencentes à primeira geração familiar a cursar doutorado a fim de analisar suas experiências neste nível de formação. Os relatos indicaram resistência por parte de alguns familiares quanto ao custo de ingressar no doutorado, bem como por divergir do papel atribuído às mulheres, no qual havia expectativas para que constituíssem família ao invés de ingressar na universidade. Outros apontaram entre as principais dificuldades existentes neste percurso acadêmico a ausência de suporte e experiência familiar no Ensino Superior que promovesse o aconselhamento e direcionamento do estudante no decorrer do curso. Tais aspectos colaboraram com a insegurança frente a capacidade de superar os desafios abrangidos pelo nível de doutorado.

Gardner (2013) discutiu os desafios enfrentados pelos estudantes americanos de primeira geração familiar a ingressar na universidade. Referente ao perfil da primeira geração do nível de graduação, os discentes tendem a ser mais velhos, do gênero feminino, considerados de baixa renda e independentes financeiramente dos pais. No que concerne aos doutorandos de primeira geração, estes são predominantemente afrodescentes, possuem austeridades quanto a sua manutenção financeira no curso e sentem falta de referências familiares que os auxiliem a enfrentar os desafios da pós-graduação. Os achados da pesquisa apontam que o fato desses alunos serem os primeiros a ingressar no nível de doutorado colaborou para a sensação de pertencimento a dois mundos distintos, e manifestar incertezas sobre suas competências e capacidade intelectual para concluir o curso de doutorado.

Desse modo, os sentimentos impostores podem ser notados em maior nível conforme o background familiar dos discentes (Craddock et al., 2011; Matos, 2014). Acredita-se que a pressão, insegurança e ansiedade gerada sobre as primeiras gerações da família a frequentar as modalidades do Ensino Superior possam fomentar sentimentos impostores. Isso se deve à sensação de não pertencimento ao ambiente acadêmico frequentado, à medida que não há histórico familiar que subsidie esta conquista. Portanto, fatores externos vinculados à Teoria da Atribuição permitem hipotetizar que as expectativas exercidas pelos familiares sobre esses universitários podem colaborar com o FI, visto que medos de aversão a falha são despertados e maximizam as cobranças internas para que o sucesso acadêmico seja alcançado (Lin et al., 2015). Nesse sentido, são apresentadas as dimensões da Hipótese Teórica 4 (HT4) da pesquisa que trata do background familiar dos estudantes:

HT4a: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios cuja a figura materna possui baixo nível de escolaridade.

HT4b: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios cuja a figura paterna possui baixo nível de escolaridade.

HT4c: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios que pertencem a primeira geração da família a ter acesso ao Ensino Superior.

HT4d: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios que pertencem a primeira geração da família a ter acesso a pós-graduação stricto sensu.

Portanto, diversos fatores podem contribuir para o surgimento, manutenção e diferenciação do Fenômeno Impostor nos diferentes grupos sociais. Reconhecer os grupos sociais com níveis mais elevados do FI mostra-se oportuno para compreender os comportamentos dos “impostores”, identificar os traços de personalidade desses indivíduos e, principalmente, descobrir a origem do FI.

3 METODOLOGIA

A população da pesquisa consiste nos 15.971 pós-graduandos stricto sensu regularmente matriculados no ano de 2018 em cursos brasileiros de mestrado acadêmico, mestrado profissional e doutorado acadêmico em Administração, Contabilidade e Economia regularmente matriculados no ano de 2018.

A coleta de dados foi operacionalizada por meio de survey realizada na plataforma SurveyMonkey® entre os meses de outubro a dezembro de 2018. Na coleta final foram obtidas 2.259 participações, sendo que após excluir as respostas incompletas e as de discentes de cursos não pertencentes a área de negócios e de discentes de graduação, especialização e MBA totalizaram-se 1.816 respostas válidas, representando 11,37% da população da pesquisa. Em termos éticos, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição de ensino na qual os pesquisadores estão vinculados e está registrada na Plataforma Brasil sob número CCAE: 95480818.9.0000.0102.

Os dados foram coletados a partir de um questionário composto por dois blocos. No bloco I foi mensurado o Fenômeno Impostor a partir da escala Clance Impostor Phenomenon Scale (CIPS) de Clance (1985). Para tanto, foi obtida autorização da autora para utilização e tradução da CIPS para Língua Portuguesa, sendo realizada por um tradutor juramentado e registrada como arquivo T91 número 18j43 na Junta Comercial do Paraná (JUCEPAR). A CIPS, juntamente com as questões de caracterização da amostra, foi submetida a rodadas de pré-testes com 773 pós-graduandos stricto sensu de outras áreas do conhecimento não abrangidas pela pesquisa. A versão original da CIPS possui 20 assertivas mensuradas por meio de escala de 5 pontos, com os seguintes rótulos: 1 - Não é verdade; 2 = Raramente; 3 = Às vezes; 4 = Frequentemente; e 5 = Muito verdadeiro. Após os pré-testes as assertivas FI1, FI2, FI19 e FI20 foram excluídas da coleta final por não apresentarem indicadores fatoriais satisfatórios, da mesma forma como ocorrido no estudo de French et al. (2008). Os relatos do pré-teste indicaram a necessidade de realizar ajustes nas expressões da escala original para evitar o viés de resposta. Por exemplo, a afirmativa 8 iniciava com a expressão “Eu raramente”, sendo que “2 = raramente” é um dos rótulos da escala, essa expressão poderia induzir e criar um viés para alguns respondentes da pesquisa, prejudicando a consistência interna e a unidimensionalidade dos constructos.

A versão traduzida, validada e utilizada na coleta final da pesquisa é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1: Versão traduzida e adaptada para a língua portuguesa da Clance Impostor Phenomenon Scale (CIPS)

Assertivas

FI3. Se possível eu evito avaliações e tenho medo de que outras pessoas me avaliem.

FI4. Quando as pessoas me elogiam por algo que eu realizei, tenho medo de não corresponder as suas expectativas em relação a mim no futuro.

FI5. Acho que obtive minha posição atual ou obtive meu sucesso atual por acaso, porque estava no lugar certo, na hora certa, ou conhecia as pessoas certas.

FI6. Tenho medo de que as pessoas importantes para mim possam descobrir que eu não sou tão capaz quanto elas pensam que sou.

FI7. Tenho a tendência de lembrar mais os incidentes em que não fiz o melhor que pude do que os momentos em que fiz o melhor que pude.

FI8. Dificilmente eu faço um projeto ou uma tarefa tão bem quanto eu gostaria.

FI9. Sinto ou acredito que o sucesso em minha vida ou em meu trabalho é resultado de algum tipo de acaso.

FI10. É difícil aceitar elogios ou cumprimentos sobre minha inteligência ou realizações.

FI11. Sinto que meu sucesso foi devido a algum tipo de sorte.

FI12. Fico decepcionado com minhas realizações atuais e acho que deveria ter feito muito mais.

FI13. Tenho medo de que os outros descubram o quanto me falta de conhecimento ou habilidade.

FI14. Tenho medo de que eu possa falhar em uma nova tarefa ou empreendimento, embora eu geralmente faça bem o que tento.

FI15. Quando consigo algo e recebo reconhecimento por minhas realizações, tenho dúvidas de que posso continuar repetindo esse sucesso.

FI16. Se eu receber muitos elogios e reconhecimento por algo que realizei, tenho a tendência de desconsiderar a importância do que fiz.

FI17. Eu comparo minhas habilidades com aqueles que estão ao meu redor e penso que eles podem ser mais inteligentes do que eu.

FI18. Me preocupo em não ter sucesso com um projeto ou avaliação, mesmo que outros à minha volta tenham confiança considerável de que eu terei sucesso.

No bloco II foram coletadas as características dos respondentes que permitiram delinear o perfil dos participantes da amostra e realizar os testes a partir das características pessoais e background familiar. Para tanto, foram requeridas informações como gênero, idade, cor, modalidade de ensino médio cursada, escolaridade da figura paterna, escolaridade da figura materna, geração da família a cursar ensino superior e geração da família a cursar pós-graduação stricto sensu.

Inicialmente os dados foram analisados por meio de Análise Fatorial Exploratória considerando o seguinte protocolo: i) comunalidades de preferência acima de 0,50, sendo que comunalidades acima de 0,30 podem ser aceitáveis para amostras com mais de 500 observações (Field, 2009); cargas fatoriais acima de 0,40 (Hair Jr, Black, Babin, Anderson & Tatha, 2009); iii) Cada fator possuir pelo menos três variáveis (Diamantopoulos & Siguaw, 2000); iv) KMO acima de 0,70 (Fávero & Belfiore, 2017); teste de esfericidade de Bartlett significante (p-value < 0,050); v) Medida de Adequação Amostral (MAS) próxima ou acima de 0,70 (Hair Jr et al., 2009); e vi) retenção dos fatores de no mínimo 50% da variância explicada (Marôco, 2007).

Após as análises e atendimento dos critérios estabelecidos foram formados dois fatores. O primeiro denominado “Falsidade e Subestimação” agrupou as assertivas F14, F13, F15, F18, F6, F17, F4, F7, F12, F16, F8, F10 e F3, representando sentimentos de farsa e dúvidas em relação à capacidade de obtenção de sucesso. O segundo fator “Sorte ou Acaso” é composto pelas assertivas F11, F9 e F5 e representa a atribuição de sucesso situações aleatórias, sorte, superstição, destino ou demais eventos aquém das capacidades do indivíduo.

A análise do teste de Kolmogorov-Smirnov combinado com a análise da assimetria, curtose, das curvas de normalidade dos histogramas e da plotagem do gráfico Q-Q normal, bem como com os indicadores obtidos no teste de Levene evidenciou que cada variável ou agrupamento violou pelo menos uma das suposições para utilização de testes paramétricos. Adotando uma postura mais conservadora optou-se pelo uso dos testes não-paramétricos de Kruskal-Wallis (K-W) para identificar diferenças entre os grupos com nível de significância de 5% e o uso do teste de Mann-Whitney (M-W) como post-hoc com correção de Bonferroni na análise das combinações de agrupamentos que originam as diferenças encontradas no K-W ou nas comparações entre dois grupos. Na aplicação do teste de M-W como post-hoc do K-W há a necessidade de controlar a taxa de inflação de erros do Tipo I com intuito de evitar conclusões incorretas, para tanto em cada aplicação do post-hoc o valor de significância é definido pela divisão de 0,05 (5%) pelo total de comparações (TC) a serem verificadas (Field, 2009).

4 RESULTADOS

4.1 Perfil dos respondentes

As informações sobre as características pessoais e background familiar dos estudantes são elencadas na Tabela 2 e são utilizadas para delinear o perfil dos respondentes e, quando necessário, na análise das hipóteses propostas.

Tabela 2: Perfil dos respondentes

Gênero

F

%

Cor ou etnia

F

%

Feminino

930

51,21

Amarela

50

2,75

Masculino

852

46,92

Branca

1.280

70,48

Agênero ou Não-binário

12

0,66

Indígena

04

0,22

Prefiro não responder

22

1,21

Parda

392

21,59

Idade*

F

%

Ensino Médio Cursado

F

%

Parte 1: de 21 anos até 29 anos

567

31,22

Escola pública

866

47,69

Parte 2: de 30 anos até 33 anos

377

20,76

Escola pública

866

47,69

Parte 3: de 34 anos até 40 anos

448

24,67

Escola particular

709

39,04

Parte 4: de 41 anos até 66 anos

424

23,35

Escola particular com bolsa

91

5,01

Escolaridade da figura paterna

F

%

Parte em escola pública e parte em escola particular

124

6,83

Não concluiu o Ensino Fundamental

448

24,67

Parte em escola pública e parte em escola particular com bolsa

26

1,43

Concluiu o Ensino Fundamental

251

13,82

Escolaridade figura materna

F

%

Concluiu o Ensino Médio

500

27,53

Não concluiu o Ensino Fundamental

374

20,59

Concluiu o Ensino Superior – Nível graduação

322

17,73

Concluiu o Ensino Fundamental

264

14,54

Concluiu o Ensino Superior – Nível especialização

180

9,91

Concluiu o Ensino Médio

544

29,96

Concluiu o Ensino Superior – Nível stricto sensu

87

4,79

Concluiu o Ensino Superior - Nível graduação

330

18,17

Desconheço o nível de escolaridade da figura paterna

28

1,54

Concluiu o Ensino Superior – Nível especialização

223

12,28

Geração familiar a cursar graduação no nível superior

F

%

Concluiu o Ensino Superior – Nível stricto sensu

77

4,24

Primeira geração

821

45,21

Desconheço o nível de escolaridade da minha figura materna

4

0,22

Segunda geração

788

43,39

Geração familiar a cursar pós-graduação stricto sensu

F

%

Terceira geração

164

9,03

Primeira geração

1.495

82,32

Quarta geração

28

1,54

Segunda geração

248

13,66

Pelo menos a quinta geração

15

0,83

Terceira geração

60

3,30

Quarta geração

04

0,22

Pelo menos a quinta geração

09

0,50

Nota. F = frequência; % = percentual; * = partes calculadas por quartil inclusive.

Entre os 1.816 discentes que compõem a amostra final da pesquisa, 51,21% se identificam com o gênero feminino. Nota-se que os discentes estão distribuídos em faixas etárias que formam o intervalo total de 21 a 66 anos. A primeira faixa, 21 a 29 anos, concentra a maior parte dos discentes (31,22%), sendo que um pouco mais da metade dos respondentes encontra-se no intervalo de idade de 21 até 33 anos. Em relação à cor ou à etnia, a maior parte dos componentes da amostra se autodeclara branca (70,48%), seguido de pardo (21,59%), preto (4,96%), amarelo (2,75%) e indígena (0,22%). Além disso, 46,25% estudam em instituições de ensino da região sudeste, 28,64% na região sul, 14,98% na região nordeste, 7,71% na região centro-oeste e 2,42% na região norte.

Percebe-se maior concentração de pós-graduandos que frequentaram durante o Ensino Médio escolas públicas (47,69%), seguido por aqueles que frequentaram escolas particulares (39,04%). A figura paterna destes estudantes possui em sua maioria Ensino Médio completo (27,53%), assim como a figura materna que também possui Ensino Médio completo (29,96%). A segunda maior proporção de discentes têm a figura paterna que não concluiu o ensino fundamental (24,67%), do mesmo modo que a figura materna (20,59%).

Referente ao histórico de familiares a frequentar o Ensino Superior no nível de graduação, 45,21% pertencem a primeira geração a figurar neste nível de formação, enquanto o segundo maior percentual, 43,39%, é ocupado por aqueles pertencentes a segunda geração de discentes a ter formação no nível de graduação. Ao expandir a análise para o stricto sensu o cenário apresenta-se diferente, sendo que há ampla concentração de discentes que pertencem a primeira geração a cursar stricto sensu, representando 82,32% da amostra, seguido pela segunda geração com 13,66% dos respondentes.

4.2 Análise dos Resultados

Nesta seção são expostos os resultados obtidos a partir do teste de Kruskal-Wallis, sendo elencados no post-hoc os agrupamentos que indicaram diferenças significantes no teste de Mann-Whitney. Na Tabela 3 são apresentados os testes que subsidiam as análises das hipóteses teóricas HT1, HT2 e HT3.

Tabela 3: Análise do Fenômeno Impostor conforme hipóteses teóricas HT1, HT2 e HT3

Gênero – Hipótese Teórica HT1

Agrupamentos

Falsidade e Subestimação

Sorte ou Acaso

M

MD

M

MD

1 - Feminino

0,137

0,065

-0,072

-0,366

2 - Masculino

-0,139

-0,214

0,072

-0,259

3 - Agênero ou não-binário

-0,244

-0,115

0,743

1,127

4 - Prefiro não responder

-0,280

-0,252

-0,180

-0,411

Teste de Kruskal-Wallis

H(3) = 33,653; p-value < 0,050

H(3) = 18,209; p-value < 0,050

Teste de Mann-Whitney com correção de Bonferroni - TC = 6

Falsidade e Subestimação

Sorte ou Acaso

1-2

U = 335.644,500; p-value < 0,008

1-2

U = 355.948,500; p-value < 0,008

Cor ou Etnia - Hipótese Teórica HT2

Agrupamentos

Falsidade e Subestimação

Sorte ou Acaso

M

MD

M

MD

1 – Indígena, Pardos e Pretos

-0,049

-0,111

-0,233

-0,353

2 - Amarela e Branca

0,017

-0,046

0,008

-0,300

Teste de Mann-Whitney

U =310.823,00; p-value > 0,050

U =316.975,00; p-value > 0,050

Modalidade do Ensino Médio cursado - Hipótese Teórica HT3

Agrupamentos

Falsidade e Subestimação

Sorte ou Acaso

M

MD

M

MD

1 - Escola pública

-0,016

-0,125

-0,122

-0,376

2 - Escola particular

0,037

-0,370

0,147

-0,192

3 - Escola particular com bolsa

0,041

0,033

0,069

-0,282

4 - Parte em escola pública e parte em escola particular

-0,177

-0,205

0,045

-0,312

5 - Parte em escola pública e parte em escola particular com bolsa

0,231

0,201

-0,393

-0,408

Teste de Kruskal-Wallis

H(4) = 6,898; p-value > 0,050

H(4) = 31,809; p-value < 0,050

Teste de Mann-Whitney com correção de Bonferroni – TC = 10

Falsidade e Subestimação

Sorte ou Acaso

Não se aplica

1-2 U = 260.105,000; p-value < 0,005

Nota. M = Média; MD = Mediana. M = Média; MD = Mediana; % = Percentual de representatividade do grupo na amostra; TC = Total de comparações possíveis entre os grupos. No teste post hoc de Mann-Whitney o p-value é definido pela divisão do nível de significância 5% pelo TC (Field, 2009).

O K-W indicou que o gênero feminino apresenta sentimentos de “Falsidade e Subestimação” mais elevados que o masculino. Por sua vez, o grupo masculino manifesta sentimentos de “Sorte ou Acaso” mais elevado que o feminino. Os resultados ora expostos divergem dos estudos de Thompson et al. (1998), Cowman e Ferrari (2002) e Matos (2014) que não identificaram diferenças nos sentimentos impostores desses grupos e contrapõe a forma com que os sentimentos são relacionados por Clance e Imes (1978), visto que para o gênero masculino esses sentimentos também podem ser vivenciados com maior intensidade do que para o gênero feminino.

Dessa forma, a HT1 é parcialmente suportada e fornece algumas contribuições. O fato do grupo masculino apresentar sentimentos impostores mais elevados para “Sorte ou Acaso” indica a importância de reconhecer a bidimensionalidade do FI. Entretando, apesar de o gênero feminino ter alcançado ao longo dos anos a inserção profissional em diferentes camadas sociais, ainda percebe-se um maior nível de falsidade e subestimação das próprias capacidades intelectuais, ou seja, sob a perspectiva de Heider (1944) esse grupo tende a atribuir o seu sucesso a fatores externos e aquém as suas capacidades inerentes de forma mais prejudicial a autoconfiança.

Referente à segunda hipótese do estudo, apesar de haver diferenças entre os níveis com que os sentimentos impostores são experimentados em suas duas dimensões, estas não foram significantes, estando em consonância com os achados acerca da realidade brasileira obtidos por Matos (2014). Dessa maneira, a HT2 é rejeitada não indicando que o Fenômeno Impostor é vivenciado de diferentes intensidades conforme a cor ou etnia do respondente.

As pesquisas de Craddock et al. (2011) e Stone et al. (2018) discutiram qualitativamente o Fenômeno Impostor em discentes afro-americanos insinuando a existência de manifestação de sentimentos impostores de forma exacerbada em face a cor ou etnia destes estudantes. Os resultados encontrados nesta pesquisa divergem dos autores e contribui com o campo de estudo à medida que fornece evidências estatísticas sobre tal diferenciação. A diferença entre o número de indivíduos de ambos os grupos, ou até mesmo o fato de que os discentes a amostra é composta por indivíduos que possuem outras características maximizadores do FI, como o nível de escolaridade dos pais ou geração a ingressar no Ensino Superior podem justificar a ausência de diferenças significantes entre ambos os grupos.

A HT3 versa sobre a modalidade de Ensino Médio cursada e não foram constatadas diferenças significativas para os sentimentos de “Falsidade e Subestimação” na capacidade de obtenção de sucesso. Referente à dimensão de “Sorte ou Acaso”, discentes que cursaram Ensino Médio predominantemente em escolas públicas possuem menor intensidade nos sentimentos impostores.

Nesse sentido, os achados não estão alinhados com os encontrados e discutidos por Sonnak e Towell (2001), no qual discentes que cursaram Ensino Médio em escolas particulares tendem a vislumbrar isto como sinal de uma formação de qualidade e, que portanto, possuem capacidades acima da média dos estudantes de escolas públicas, o que minimizaria os níveis de impostorismo. A análise do FI de forma bidimensional auxilia na compreensão desta dissonância, os discentes da modalidade particular podem reconhecer suas vantagens de frequentar o Ensino Médio em instituições particulares como um elemento externo e sob a perspectiva da Teoria da Atribuição vincular seu sucesso a estes fatores não vinculados as suas habilidades internas.

Os resultados que embasam a análise das hipóteses teóricas HT4a, HT4b, HT4c e HT4d são expostos na Tabela 4.

Tabela 4: Análise do Fenômeno Impostor conforme hipóteses teóricas HT4a, HT4b, HT4c e HT4d

Nível de Escolaridade da Figura Materna - Hipótese Teórica HT4a

Agrupamentos

Falsidade e Subestimação

Sorte ou Acaso

M

MD

M

MD

1 – Não concluiu o Ensino Fundamental

-0,058

-0,148

-0,193

-0,451

2 – Concluiu o Ensino Fundamental

-0,038

-0,146

-0,128

-0,362

3 – Concluiu o Ensino Médio

0,047

-0,007

0,009

-0,319

4 – Concluiu o Ensino Superior - Nível graduação

0,005

-0,0731

0,177

-0,126

5 – Concluiu o Ensino Superior – Nível especialização

0,047

-0,002

0,083

-0,302

6 – Concluiu o Ensino Superior – Nível stricto sensu

-0,0267

-0,098

0,321

0,102

7 – Desconheço o nível de escolaridade da minha figura materna

-0,988

-0,969

-0,166

-0,141

Teste de Kruskal-Wallis

H(6) = 9,686; p-value > 0,050

H(6) = 36,118; p-value < 0,050

Teste de Mann-Whitney com correção de Bonferroni – TC = 21

Falsidade e Subestimação

Sorte ou Acaso

Não se aplica

1-4

U = 47.941,500; p-value < 0,002

1-6

U = 10.489,000; p-value < 0,002

2-4

U = 35.854,500; p-value < 0,002

2-6

U = 7.818,500; p-value < 0,002

Nível de Escolaridade Figura Paterna - Hipótese Teórica HT4b

Agrupamentos

Falsidade e Subestimação

Sorte ou Acaso

M

MD

M

MD

1 – Não concluiu o Ensino Fundamental

-0,019

-0,108

-0,118

-0,370

2 – Concluiu o Ensino Fundamental

-0,050

-0,145

-0,135

-0,323

3 – Concluiu o Ensino Médio

0,011

-0,068

-0,024

-0,366

4 – Concluiu o Ensino Superior - Nível graduação

0,105

0,055

0,221

0,013

5 – Concluiu o Ensino Superior – Nível especialização

-0,079

-0,073

0,162

-0,105

6 – Concluiu o Ensino Superior – Nível stricto sensu

-0,106

-0,177

0,054

-0,323

7 – Desconheço o nível de escolaridade da minha figura paterna

0,178

0,326

-0,204

-0,406

Teste de Kruskal-Wallis

H(6) = 8,240; p-value > 0,050

H(6) = 32,263; p-value < 0,050

Teste de Mann-Whitney com correção de Bonferroni – TC = 21

Falsidade e Subestimação

Sorte ou Acaso

Não se aplica

1-4

U = 58.536,000; p-value < 0,002

1-5

U = 33.479,500; p-value < 0,002

2-4

U = 32.732,000; p-value < 0,002

2-5

U = 18.962,500; p-value < 0,002

Nível Geração da Família a Acessar o Ensino Superior - Hipótese Teórica HT4c

Agrupamentos

Falsidade e Subestimação

Sorte ou Acaso

M

MD

M

MD

1 – Primeira geração

-0,050

-0,165

-0,136

-0,395

2 – Segunda geração

0,093

0,034

0,089

-0,205

3 – Terceira geração

-0,161

-0,205

0,187

-0,230

4 – Quarta geração

-0,008

-0,033

0,216

-0,379

5 – Pelo menos a quinta geração

-0,378

-0,598

0,319

0,193

Teste de Kruskal-Wallis

H(4) = 18,440; p-value < 0,050

H(4) = 29,293; p-value < 0,050

Teste de Mann-Whitney com correção de Bonferroni – TC = 10

Falsidade e Subestimação

Sorte ou Acaso

1-2

U = 292.778,000; p-value < 0,005

1-2

U = 280.374,000; p-value < 0,005

2-3

U = 54.418,000; p-value < 0,005

1-3

U = 54.944,500; p-value < 0,005

Geração da Família a Acessar o Stricto Sensu - Hipótese Teórica HT4d

Agrupamentos

Falsidade e Subestimação

Sorte ou Acaso

M

MD

M

MD

1 – Primeira geração

0,009

-0,065

-0,020

-0,323

2 – Segunda geração

-0,034

-0,770

0,105

-0,212

3 – Terceira geração

-0,127

-0,230

0,067

-0,197

4 – Quarta geração

0,007

0,022

0,225

0,031

5 – Pelo menos a quinta geração

0,189

0,001

-0,187

-0,450

Teste de Kruskal-Wallis

H(4) = 1,677; p-value > 0,050

H(4) = 5,398; p-value > 0,050

Teste de Mann-Whitney com correção de Bonferroni – TC = 10

Não se aplica

Nota. M = Média; MD = Mediana. M = Média; MD = Mediana; % = Percentual de representatividade do grupo na amostra; TC = Total de comparações possíveis entre os grupos. No teste post hoc de Mann-Whitney o p-value é definido pela divisão do nível de significância 5% pelo TC (Field, 2009).

Para a dimensão de “Falsidade e Subestimação” não foram identificadas diferenças significantes nos níveis de intensidade do Fenômeno Impostor conforme o nível de escolaridade da figura materna. Por outro lado, para a dimensão de “Sorte ou Acaso” houve diferenças significantes entre os grupos indicando que tanto os discentes em que a figura materna possui o Ensino Superior nível de graduação, como os que a figura materna possui Ensino Superior no nível stricto sensu, manifestam com maior intensidade sentimentos na dimensão de “Sorte ou Acaso” do que aqueles em que a figura materna não concluiu o Ensino Fundamental. Desse modo, rejeita-se a HT4a, visto que os achados divergem da proposição apresentada.

Referente ao nível de escolaridade da figura paterna dos discentes da amostra (HT4b), não foram identificadas diferenças significantes para sentimentos de “Falsidade e Subestimação” de acordo com o nível de grau de escolaridade da figura paterna. Ao observar a dimensão de “Sorte ou Acaso” houve a indicação de diferenças significantes conforme o nível de escolaridade da figura paterna. O teste post-hoc de M-W apontou que os discentes que possuem a figura paterna com maior nível de formação manifestam sentimentos de “Sorte ou Acaso” com mais intensidade do que aqueles em que a figura paterna possui menor nível educacional. Nesse contexto, rejeita-se a hipótese HT4b à medida que discentes em que a figura paterna possui menor nível de escolaridade obtiveram menores níveis de Fenômeno Impostor.

Os resultados obtidos nas análises da HT4a e HT4b podem ser oriundos de maiores expectativas familiares direcionadas a esses discentes, visto que há tendência de haver maior pressão para o alcance de níveis mais elevados de formação dentro deste tipo de grupo familiar, devido ao histórico de formação parental. Estes achados mostram-se particularmente importantes, visto que estudos qualitativos (Craddock et al., 2011; Gardner & Holley, 2011; Gardner, 2013) apontam que menores níveis de escolaridade da figura paterna e figura materna seriam propulsores do FI, fato não confirmado pelos resultados estatísticos. Além disso, combinado com os resultados obtidos na comparação entre os respondentes que cursaram Ensino Médio em escolas particulares, acredita-se que esses achados podem ser influenciados pela noção de desigualdade social existente no Brasil, na qual pertencer a uma família com pais que possuem grau de instrução mais elevado ou cursar o Ensino Médio em instituições particulares e com melhor qualidade auxiliam o indivíduo a obter melhores resultados no ambiente acadêmico.

Referente a geração familiar a cursar Ensino Superior nível de graduação (HT4c) foram identificadas diferenças entre grupos tanto para sentimentos de “Falsidade e Subestimação” quanto para “Sorte ou Acaso”. Em relação aos sentimentos de “Falsidade e Subestimação”, o post-hoc indicou que discentes que pertencem a segunda geração a ingressar no Ensino Superior tendem a possuir dúvidas em relação a sua capacidade de obter sucesso e subestimar suas habilidades com maior intensidade do que os pertencentes a primeira e a terceira geração.

Em relação aos sentimentos de “Sorte ou Acaso” também houve a constatação de diferenças entre grupos, sendo que discentes pertencentes a segunda geração a ingressar no Ensino Superior tendem a atribuir suas conquistas a sorte ou ao acaso com maior intensidade do que os pertencentes a primeira e terceira geração. Com isso, a HT4c é rejeitada, pois a maior intensidade de sentimentos impostores não ocorre nos discentes da primeira geração a frequentar o Ensino Superior na modalidade da graduação. Dessa maneira, são oferecidas evidências para as inquietações de Matos (2014) que estavam latentes na literatura.

Uma possível justificativa para tais achados é que a segunda geração sofre pressões para que consiga prosseguir acessando o ensino superior da mesma forma que a primeira. Assim, ao focar como parâmetro de comparação a primeira geração a ingressar no Ensino Superior seus níveis de FI tendem a ser maximizados em ambas as dimensões.

A última hipótese (HT4d) versa sobre pertencer a primeira geração da família a ter acesso a pós-graduação stricto sensu. Apesar de haver diferenças na intensidade do Fenômeno Impostor de acordo com a geração familiar a cursar a modalidade stricto sensu, estas não foram significantes. Diante desta constatação rejeita-se a HT4d à medida que os sentimentos impostores não são vivenciados com maior intensidade pelos discentes da área de negócios que pertencem à primeira geração familiar a ingressar no stricto sensu.

Os resultados encontrados a partir da HT4a, HT4b, HT4c e HT4d permitiram rejeitar a HT4 em sua totalidade. Em relação à escolaridade dos pais, os achados estão parcialmente alinhados aos de Sonnak e Towell (2001), pois na dimensão de “Falsidade e Subestimação” não foram encontradas diferenças significantes, assim como os autores que não encontraram relação entre o FI e esta variável. As evidências ainda divergem dos trabalhos de Craddock et al. (2011), Deffendall et al. (2011), Gardner e Holley (2011) e Gardner (2013) que indicaram que níveis mais baixos de escolaridade dos pais e pertencer as primeiras gerações a cursar o Ensino Superior implicam em sentimentos mais elevados do Fenômeno Impostor.

A Tabela 5 apresenta o resumo das hipóteses HT1, HT2, HT3 e HT4 propostas neste estudo.

Tabela 5: Resumo das Hipóteses da Pesquisa

Descrição

Parcialmente suportada

HT1: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios que se identificam com o gênero feminino.

Parcialmente suportada

(Resultado reverso para “Sorte ou Acaso”)

HT2: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios que se autodeclaram indígenas, pardos ou pretos.

Não suportada (Não significante)

HT3: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios que cursaram o Ensino Médio predominantemente em escolas públicas.

Não suportada

(Resultado reverso)

HT4a: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios cuja a figura materna possui baixo nível de escolaridade.

HT4b: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios cuja a figura paterna possui baixo nível de escolaridade.

HT4c: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios que pertencem à primeira geração da família a ter acesso ao ensino superior.

HT4d: O Fenômeno Impostor é vivenciado com maior intensidade pelos discentes stricto sensu da área de negócios que pertencem à primeira geração da família a ter acesso a pós-graduação stricto sensu.

Não suportada

(Não significante)

5 CONCLUSÃO

O Fenômeno Impostor tem sido discutido no ambiente universitário por sua capacidade de afetar a assimilação de sucesso, a autoconfiança e o comportamento do discente no ambiente acadêmico. Sentimentos de dúvidas em relação às suas habilidades intelectuais, o medo de ser julgado por terceiros e de não suprir as expectativas familiares fomentam questionamentos nestes indivíduos sobre as consequências caso sua máscara caia, ou seja, se as expectativas não forem supridas e o impostorismo for descoberto. Nesse contexto, a pesquisa direcionou atenção para a identificação dos grupos de pós-graduandos stricto sensu da área de negócios que possuem níveis mais elevados de intensidade do Fenômeno Impostor a partir das características pessoais e do background familiar.

Os resultados implicam em contribuições teóricas, práticas e sociais. No âmbito teórico, esta pesquisa contribui ao discutir o FI a partir da Teoria da Atribuição e fortalecer o escopo teórico do constructo, à medida que o FI foi constituído a partir de evidências empíricas. Além disso, a identificação de duas dimensões do Fenômeno Impostor fomenta a consolidação da vertente que trata o FI como um constructo bidimensional (French et al., 2008) propiciando análises mais específicas entre suas diferentes dimensões. Tal fato denota-se importante, à medida que para alguns grupos foram obtidos resultados diferentes em cada dimensão do FI. Essas disparidades lançam luz ao comportamento desses indivíduos nos ambientes acadêmicos e profissionais, pois tem-se a necessidade de buscar ações para a maximização da autoconfiança a partir das especificidades de cada dimensão. Por exemplo, os que apresentam níveis mais intensos de falsidade e subestimação tendem a ter maiores dificuldades em atribuir seu sucesso a fatores internos do que aqueles que apresentam pontuações mais elevadas para sorte ou acaso.

A partir dos resultados obtidos algumas implicações práticas podem ser discutidas. Sugere-se que os programas de pós-graduação incentivem a formação de grupos para compartilhamento de experiências acadêmicas com intuito de minimizar os sentimentos impostores nos discentes. Além disso, o incentivo a interação entre os discentes, por meio de grupos de pesquisa e projetos de extensão, são ações práticas que podem auxiliar no apoio interpessoal com intuito de minimizar os efeitos psicológicos do Fenômeno Impostor. Ações para grupos específicos que apresentaram diferenciação no nível de impostorismo também são bem-vindas, como as voltadas para o gênero feminino e masculino.

Em termos sociais, ao identificar o FI de pós-graduandos e, consequentemente, buscar formas de minimizá-lo contribui-se para a formação de profissionais, e em especial docentes, autoconfiantes capazes de reconhecer suas competências e mais seguros para desempenhar suas atividades. Especificamente referente às implicações para os atuais e futuros docentes, essa postura pode afetar positivamente a qualidade das aulas e perpassar maior confiabilidade aos seus estudantes.

As limitações da pesquisa estão pautadas na carência estudos nacionais que abordaram o Fenômeno Impostor prejudicando a possibilidade de comparação dos resultados. Além disso, no âmbito geral poucas pesquisas investigaram os pós-graduandos. As análises realizadas não possuem conotação de causa e efeito e a amostra selecionada não é aleatória. Pesquisas futuras podem empregar abordagens qualitativas com intuito de compreender em profundidade os resultados expostos nesta investigação.

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1 alisonmmeurer@gmail.com. Universidade Federal do Paraná. Curitiba-PR, Brasil. Universidade Estadual de Ponta Grossa. Ponta Grossa-PR, Brasil. http://orcid.org/0000-0002-3704-933X

2 flaviano@ufpr.br. Universidade Federal do Paraná. Curitiba-PR, Brasil. http://orcid.org/0000- 0002-4694-618X

DOI: http://dx.doi.org/10.14392/asaa.2020130306

Artigo submetido em: 27/06/2020. Submetido a nova rodada em: 12/09/2020. Aceito em: 08/11/2020.

Artigo baseado na dissertação de mestrado Eis o Melhor e o Pior de Mim: Fenômeno Impostor e Comportamento Acadêmico na Pós-Graduação Stricto Sensu da Área de Negócios elaborada por Alison Martins Meurer e orientada pelo professor Dr. Flaviano Costa no Programa de Pós-Graduação em Contabilidade da Universidade Federal do Paraná e defendida em 2019.