IMPACTO DA CONFORMIDADE FINANCEIRA E FISCAL SOBRE O GERENCIAMENTO DE RESULTADOS

Géssica Cappellesso1

Jomar Miranda Rodrigues2

Rodrigo de Souza Gonçalves3

Resumo: Este estudo teve por objetivo investigar o impacto da conformidade financeira e fiscal (CFF) sobre o gerenciamento de resultados por meio de accruals, levando em consideração países common e code law do Grupo dos Vinte (G-20). Para tal, foram utilizadas 26 nações ao longo de 2006 a 2016, onde se realizou uma análise a nível país e se seguiu três etapas: construção de um índice de gerenciamento de resultados para cada país e ano, desenvolvimento de uma medida de CFF para os países-anos, e associação entre as medidas obtidas. Como resultados, constatou-se uma associação negativa entre o índice de gerenciamento de resultados e o nível de CFF dos países, o que sugere que a maior proximidade entre as normas contábeis e fiscais reduz os incentivos para a manipulação dos números contábeis. Contudo, também foi verificado que essa relação difere entre nações que adotaram ou não as IFRS, sendo observado que, em países que realizaram a convergência, a maior CFF esteve associada a um aumento no índice de gerenciamento de resultados. Portanto, esse resultado demonstra a importância de se considerar os efeitos de variáveis institucionais ao avaliar a relação entre CFF e gerenciamento de resultados.

Palavras-chave: Conformidade Financeira e Fiscal; Gerenciamento de Resultados; IFRS; Common Law; Code Law.

THE IMPACT OF BOOK-TAX CONFORMITY ON EARNINGS MANAGEMENT

Abstract: This study aimed to investigate the influence of book-tax conformity (BTC) on accruals earnings management, taking into consideration G-20 code law and common law countries. To this end, it was used 26 nations throughout 2006 to 2016, where a country level analysis was performed, and three steps were followed: the construction of an earnings management index for each country and year; the development of a BTC measure for the countries-years; and the association between these measures. As results, it was observed a negative association between the earnings management index and the BTC level of the countries, suggesting that closer proximity between financial and tax rules reduces the incentives for earnings manipulation. However, it was also observed that this association differs from IFRS adopters and non-adopters, as it was detected that in IFRS adopters great BTC was associated with higher earnings management. Therefore, this result demonstrates the importance of considering the effects of institutional variables when assessing the BTC and earnings management relation.

Keywords: Book-Tax Conformity; Earnings Management; IFRS; Common Law; Code Law.

1. INTRODUÇÃO

Com a implementação das International Financial Reporting Standards (IFRS), alguns países acabam passando de uma contabilidade com base na legislação fiscal para um sistema financeiro e fiscal mais independente, o que resulta na redução do nível de conformidade financeira e fiscal das nações (Tang, 2014).

De acordo com Atwood, Drake e Myers (2010), a conformidade financeira e fiscal (CFF) pode ser entendida como a flexibilidade que uma empresa tem para divulgar um lucro tributável que é diferente do lucro contábil. Mais ainda, a CFF pode ser caracterizada pela vinculação entre as normas financeiras e fiscais e, consequentemente, pela proximidade entre o lucro contábil e o tributável (Hanlon, Laplante, & Shevlin, 2005).

Dessa forma, a CFF é determinada no nível país, uma vez que cada nação possui seu próprio conjunto de normas contábeis e fiscais, as quais podem ser mais ou menos próximas. Por exemplo, nos Estados Unidos da América (EUA), observa-se um baixo nível de CFF, pois as regras para determinar os lucros contábil e tributável são separadas (Hanlon & Shevlin, 2005). Já no Brasil, essa conformidade seria mais elevada, visto que o país era conhecido por ter forte influência fiscal sobre as normas contábeis (Niyama, Costa, & Aquino, 2005).

A proximidade entre a legislação fiscal e os padrões contábeis é um dos fatores que impactam significativamente o desenvolvimento contábil dos países (Choi & Meek, 2011). Assim, pode-se dizer que a estrutura fiscal-financeira adotada em uma nação é capaz de influenciar as práticas contábeis utilizadas pelas empresas e as decisões de divulgação dos gestores. Logo, é possível que a prática de gerenciamento de resultados das empresas seja impactada pelo nível de CFF exigido em um país.

De um lado, os defensores da CFF argumentam que uma maior ligação entre as normas financeiras e fiscais reduziria o nível de gerenciamento de resultados (GR), à medida que a discricionariedade dos gestores seria restringida e os custos de seu oportunismo seriam elevados (Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015).

Para Desai (2005) e Frank, Lynch e Rego (2009), os gestores exploram as diferenças existentes entre os relatórios contábeis e fiscais de maneira oportunista, dado que a lacuna entre as normas financeiras e tributárias dão a oportunidade de gerenciar o lucro contábil para cima e o lucro tributável para baixo em um mesmo período de divulgação.

Portanto, ao elevar a CFF, os incentivos para a divulgação oportunista seriam restringidos, uma vez que o gerenciamento para aumentar o resultado contábil seria seguido por maiores impostos, e o gerenciamento para reduzir o lucro tributável seria acompanhado por um lucro contábil menor, o que não iria ao encontro dos interesses dos investidores (Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015). Assim, países com maior proximidade entre o lucro contábil e o tributável forneceriam menos incentivos para as práticas de elisão fiscal e GR (Desai, 2005).

Por outro lado, os críticos da CFF acreditam que a maior proximidade entre as normas financeiras e fiscais pode resultar num aumento do GR, devido à perda de informação. Especificamente, ao aproximar o lucro contábil e o tributável, a book-tax differences – que é um indicador de GR e de agressividade fiscal – seria reduzida, o que restringiria a capacidade dos outsiders de identificar a manipulação (Tang, 2005; Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015). Além disso, a perda de informação gerada pela maior CFF também pode levar a maior suavização de resultados, devido às motivações tributárias (Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015).

Nesse contexto, é possível observar que o assunto é controverso à medida que há estudos condizentes com a CFF restringindo o GR (Burgstahler, Hail, & Leuz, 2006; Watrin, Ebert, & Thomsen, 2014; Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015) e outros afirmando que há um aumento na manipulação dos resultados (Tang, 2014).

Ainda, deve-se considerar que o nível de CFF exigido num país pode ter ligação com suas características institucionais, como a origem legal, o que pode afetar sua relação com o GR. Em países common law, por exemplo, existe uma maior separação entre a contabilidade financeira e fiscal, enquanto que países code law apresentam maior CFF, devido à forte interferência governamental nas normas contábeis (Ball, Kothari, & Robin, 2000; Choi & Meek, 2011).

Então, considerando que a maior CFF pode elevar ou reduzir o GR, e que a origem legal é uma característica institucional capaz de influenciar esse comportamento, levanta-se a seguinte questão de pesquisa: Qual o impacto da conformidade financeira e fiscal sobre o nível de gerenciamento de resultados dos países common law e code law? Portanto, realiza-se uma análise a nível-país, com o objetivo de investigar o impacto da conformidade financeira e fiscal sobre o GR por meio de accruals, levando em consideração países common e code law do Grupo dos Vinte (G-20).

Essa questão é relevante para órgãos reguladores e normatizadores, pois trata dos custos e benefícios da CFF, contribuindo para suas decisões e formulações. Também é importante para investidores, visto que sua tomada de decisão é feita com base nas informações divulgadas, e essas podem ser mais ou menos gerenciadas dependendo do nível de CFF de um país. Por fim, o estudo também contribui para o avanço da literatura de CFF e GR, cuja relação ainda é controversa (Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015).

2. REFERENCIAL TEÓRICO E EMPÍRICO

2.1 Conformidade Financeira e Fiscal e Gerenciamento de Resultados

O nível de conformidade financeira e fiscal varia entre os países, havendo alguns onde a legislação tributária determina os padrões contábeis, e outros onde a contabilidade financeira e fiscal é mais independente (Choi & Meek, 2011). Nesse sentido, Lamb, Nobes e Roberts (1998) sugerem cinco graus de conformidade entre as regras contábeis e financeiras:

I. Desconexão: falta de influência da legislação fiscal sobre a divulgação financeira;

II. Identidade: as regras contábeis e tributárias são as mesmas.

III. Liderança contábil: a regra de divulgação financeira é seguida para propósitos de divulgação financeira e fiscal.

IV. Liderança fiscal: a norma fiscal é escolhida para propósitos tributários e financeiros.

V. Domínio fiscal: as regras de divulgação financeira são ignoradas, e a norma fiscal é seguida para fins fiscais e financeiros.

No Brasil, por exemplo, as regras fiscais eram as responsáveis por influenciar as normas societárias, mesmo que de forma indireta (Niyama, Costa, & Aquino, 2005; Costa, 2012). Mas, após a adoção das IFRS, as empresas começaram a demonstrar um maior distanciamento entre os lucros contábil e tributável, indicando a redução da influência da legislação tributária sobre as normas contábeis e um menor nível de CFF (Costa, 2012). Assim, os contadores passaram a ter maior liberdade na divulgação do lucro tributável, o que possibilitou mais práticas de elisão fiscal para minimizar o lucro tributável sem que o lucro contábil fosse também reduzido (Kajimoto & Nakao, 2018).

Em outras nações, essa liberdade pode ser ainda maior, como é o caso dos EUA. Nesse país, as empresas mantêm dois conjuntos de relatórios separados, um que divulga o lucro contábil para o mercado de capitais, e outro que reporta o lucro tributável para o governo (Desai, 2005). Logo, os contadores devem preparar duas medidas de resultado distintas: o lucro contábil com base nos PCGA, e o lucro tributável conforme o Internal Revenue Code (IRC) (Hanlon & Shevlin, 2005). O mesmo ocorre na Austrália, cujas empresas devem seguir regras separadas para determinação do lucro contábil e do lucro tributável (Tran & Yu, 2008).

Esses países que possuem uma dualidade de conjuntos (isto é, onde os sistemas fiscal e financeiro são independentes) concedem aos gestores ainda mais liberdade na determinação das medidas de resultado. Isso permite que eles possam vir a divulgar um lucro contábil elevado para o mercado de capitais, ao mesmo tempo em que reportam um lucro tributável mais reduzido para as autoridades tributárias (Desai, 2005; Frank, Lynch, & Rego, 2009).

Nesse sentido, a literatura sugere que a interferência da legislação tributária nas normas, por meio da exigência de maior CFF, poderia aumentar a transparência e a qualidade dos lucros, além de reduzir os custos de conformidade com a preparação de duas demonstrações – uma para o fisco e outra para o mercado de capitais (Hanlon & Shevlin, 2005; Desai, 2005; Frank, Lynch, & Rego, 2009; Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015).

Entre outros fatores, essa melhora na qualidade do lucro seria possível, pois, maior conformidade possibilita que as autoridades tributárias atuem como monitores adicionais do lucro divulgado, além permitir que os investidores observem os impostos pagos. Logo, a exigência de maior CFF restringiria o comportamento oportunista dos gestores, melhorando, assim, a qualidade do lucro (Atwood, Drake, & Myers, 2010).

Mais especificamente, os defensores da CFF argumentam que maior conformidade desestimularia o gerenciamento de resultados e de impostos, à medida que o incentivo por parte dos gestores em enganar para fins financeiros ou fiscais seria reduzido, devido a maior proximidade do lucro tributável com o contábil, e/ou vice-versa (Desai, 2005).

Nesse sentido, Desai (2005) explica que um sistema que possibilita os gestores caracterizarem o lucro conforme o público legitima a manipulação dos resultados. Logo, restringir os gestores a uma definição de lucro pode limitar o impulso de caracterizar os resultados contábil e tributável oportunisticamente, seja pela redução da discricionariedade ou pelo aumento dos custos do oportunismo.

À medida que há maior CFF, a discricionariedade dos gestores seria restringida e, assim, reduzir-se-iam os accruals a serem utilizados no gerenciamento/suavização do lucro contábil sem afetar, com isso, o lucro tributável. Além disso, a elevada CFF resultaria num aumento dos custos do oportunismo, pois o GR para cima seria contrariado por impostos mais elevados, e o gerenciamento para evitar impostos seria desaprovado pelos investidores, à medida que o lucro divulgado a eles seria menor (Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015).

Nesse contexto, é possível identificar alguns estudos que encontraram uma relação negativa entre CFF e GR. Por exemplo, Frank, Lynch e Rego (2009) constataram uma associação positiva entre o lucro contábil manipulado para cima e o lucro tributável gerenciado para baixo, consistente com a ideia de que a não conformidade possibilita o gerenciamento de tributos e de resultados. Já Tang (2014), partindo de uma amostra de 32 países ao longo de 1995 a 2007, verificou que a maior CFF esteve associada a menores níveis de gerenciamento tributário e de resultados.

Por outro lado, a maior interferência dos legisladores fiscais também é capaz de deteriorar a qualidade dos lucro divulgado aos investidores, por diversas razões (Atwood, Drake & Myers, 2010). Primeiro, porque as demandas informacionais dos legisladores são diferentes das demandas dos investidores, e dificilmente aqueles irão satisfazer as necessidades de informação destes (Yoon, 2008).

Segundo, porque a elevada CFF pode fazer com que os gestores se preocupem mais em divulgar lucros menores, a fim de pagar menos impostos. Dessa forma, a contabilidade financeira pode diferir da atividade econômica subjacente, não refletindo o verdadeiro desempenho econômico da empresa (Guenther & Young, 2000; Ali & Hwang, 2000). Todos esses fatores fazem com que o conteúdo informacional dos resultados seja reduzido, prejudicando, assim, a relevância das informações contábeis (Hanlon, Maydew, & Shevlin, 2008).

Para os críticos da CFF, essa perda de informação pode fazer com que a proximidade entre os lucros contábil e tributável estimule a prática de GR nas empresas. Primeiramente, a perda de informação decorrente da maior CFF pode elevar a suavização de resultados, a fim de evitar maiores impostos (Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015). Além disso, ao elevar a conformidade, a book-tax differences (BTD) é reduzida, não podendo mais ser utilizada pelos investidores para detectar o gerenciamento, o que pode levar a um aumento da manipulação.

Isso ocorre, pois, a BTD pode ser utilizada como uma proxy para identificar o GR e a agressividade fiscal, uma vez que os gestores têm incentivos para maximizar o lucro contábil e reduzir o lucro tributável (Tang, 2005). Dessa forma, as diferenças tributárias acabam sendo compostas pelas diferenças oportunistas originadas das escolhas gerenciais de divulgação contábil e fiscal, ou seja, pelo GR e pelo gerenciamento de tributos – o que forma a BTD anormal (Tang, 2005; Costa, 2012).

Assim, ao conformar o lucro contábil e o tributável em uma única medida, o mercado de capitais perde conteúdo informacional, especificamente no que tange a BTD. Por conseguinte, a perda dessa informação pode estimular a prática de GR, visto que os investidores não teriam mais como identificar a manipulação por meio dessa proxy (Hanlon, Laplante, & Shevlin, 2005; Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015).

Nesse sentido, existem evidências empíricas condizentes com a maior conformidade elevando o nível de GR. Por exemplo, Burgstahler, Hail e Leuz (2006), ao estudarem países da União Europeia, observaram que a CFF foi positivamente relacionada ao GR. Também, Watrin, Ebert e Thomsen (2014), ao coletarem demonstrações financeiras individuais e consolidadas de empresas europeias de 2004 a 2011, apuraram uma relação positiva entre a conformidade das demonstrações financeiras individuais e fiscais e o GR em demonstrações consolidadas.

Por sua vez, Blaylock, Gaertner e Shevlin (2015) realizaram sua pesquisa em 35 países durante 1996 e 2007, e concluíram que a CFF está relacionada a maior GR. Para os autores, isso ocorre porque quando a conformidade é alta, as empresas suavizam mais os resultados devido às considerações tributárias e ao baixo risco de detecção do gerenciamento.

Em resumo, tanto a literatura quanto as pesquisas empíricas demonstram que o nível de CFF exigido em um país pode elevar ou reduzir o GR. Contudo, o que se verifica é que à medida que há maior CFF, esta é capaz de reduzir o GR pela inibição que a primeira causa no comportamento oportunista do gestor, ainda que possa haver perda de informação ao usuário externo. É o que afirmam Blaylock, Gaertner e Shevlin (2015) ao constatarem que os investidores preferem maiores níveis de CFF, mesmo com a perda informacional, caso essa esteja acompanhada por uma redução suficientemente grande no nível de GR.

Nessa perspectiva, assume-se que a maior CFF traria maiores benefícios em decorrência da limitação no GR do que custos relacionados à perda de informação. Partindo desse pressuposto, o estudo levanta a seguinte hipótese operacional:

H1a: O grau de conformidade financeira e fiscal exigido nos países impacta negativamente o nível de gerenciamento de resultados.

2.2 Origem do Sistema Jurídico: Common Law e Code Law

As leis e sua aplicação variam entre os países e isso se deve, em parte, por conta das diferenças decorrentes da origem legal, que advém de duas tradições mais abrangentes: common law, que possui origem inglesa, e code law, derivada das leis romanas (La Porta, Lopez-de-Silanes, Shleifer, & Vishny, 1998).

Em nações common law, as leis e sua aplicação são guiadas pelo direito consuetudinário, em que se escreve o mínimo possível e se deixa aos julgadores a aplicação do conteúdo legal com base nos costumes, na tradição e na jurisprudência (Martins, Martins, & Martins, 2007). Portanto, observa-se que nesse sistema há pouca interferência governamental no estabelecimento das práticas contábeis, sendo essas determinadas primeiramente pelo setor privado (Ball, Kothari, & Robin, 2000). Sendo assim, as legislações contábil e fiscal se tornam mais independentes, o que contribui para um menor nível de CFF.

Já os países code law são regidos pelo direito romano, cujas leis são um conjunto de requerimentos e procedimentos bem detalhados, sendo as práticas contábeis incorporadas em leis nacionais (Choi & Meek, 2011). Então, como esses países tendem a ser orientados por regras, o governo acaba apresentando maior interferência sobre a contabilidade (Ball, Kothari, & Robin, 2000). Isso faz com que os países desse sistema apresentem maior proximidade entre as normas contábeis e fiscais, ou seja, favorece uma CFF mais elevada.

Deve-se destacar, entretanto, que dentro da tradição code law existem três grandes famílias das quais as leis comerciais modernas se originam: a francesa, alemã e escandinávia. As duas primeiras, assim como a tradição common law, espalharam-se pelo mundo através de uma combinação de conquistas, imperialismo, empréstimo e imitação. Apesar disso, as leis dos países componentes de um dos sistemas não são iguais, pois além de refletirem as influências das tradições, também transmitem as revisões específicas e individuais feitas por cada nação ao longo do tempo (La Porta et al., 1998).

Dessa forma, a normatização contábil dos países acaba divergindo entre si, mesmo que esses façam parte de um mesmo sistema legal. Exemplos disso são os EUA e o Reino Unido que, apesar de terem a mesma origem common law, apresentam sistemas de divulgação financeira distintos. No primeiro, a normatização contábil é baseada em regras, visto que os US-GAAP apresentam um guia detalhado de implementação, além de fornecerem exceções ao escopo e tratamento especial a certos itens (Schipper, 2003). Já no Reino Unido, essa normatização é baseada em princípios, prevendo as normas a flexibilidade para o julgamento profissional (Benston, Bromwich, & Wagenhofer, 2006).

De qualquer forma, é importante considerar que classificação do sistema legal de um país contribui para o nível de CFF exigido, o que pode interferir na sua relação com o GR. Nesse sentido, Tang (2014) apresenta evidências de que o efeito da CFF sobre o gerenciamento é mais pronunciado em países code law. Logo, a segunda hipótese levantada é:

H1b: A relação entre o gerenciamento de resultados e o nível de conformidade financeira e fiscal é diferente entre os países common e code law.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1 Amostra e Coleta de Dados

Para consecução do objetivo, partiu-se de uma amostra de países componentes do Grupo dos Vinte (G-20), onde foram coletadas informações contábeis de empresas não financeiras listadas na principal Bolsa de Valores de cada país, durante o período de 2006 a 2016. Para compor a amostra, exigiu-se que cada país-ano tivesse no mínimo 35 observações utilizáveis (Tang, 2014). Assim, a amostra foi composta por 26 países, conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1 - Quantidade de empresas por país

País

Sistema legal(1)

Bolsa utilizada

Total

Excluídas

Amostra

África do Sul

Common Law

Johannesburg Stock Exchange

455

227

228

Alemanha

Code Law

Deutsche Boerse AG

1.166

644

522

Argentina

Code Law

Bolsa de Comercio de Buenos Aires

85

20

65

Austrália

Common Law

Australian Securities Exchange

2.256

599

1.657

Áustria

Code Law

Vienna Stock Exchange

90

35

55

Bélgica

Code Law

Euronext.liffe Brussels

294

194

100

Brasil

Code Law

B3 – Brasil Bolsa Balcão

502

241

261

Canadá

Common Law

Toronto Stock Exchange

1.961

1.333

628

China

Code Law

Shanghai Stock Exchange

1.462

236

1.226

Coreia do Sul

Code Law

Korea Exchange

1.254

561

693

Croácia

Code Law

Zagreb Stock Exchange

158

83

75

Espanha

Code Law

Bolsa de Madrid

243

86

157

EUA

Common Law

NYSE

2.536

1.159

1.377

Finlândia

Code Law

Nasdaq Helsinki

160

39

121

França

Code Law

Euronext.liffe Paris

1.214

566

648

Grécia

Code Law

Athens Stock Exchange

218

36

182

Holanda

Code Law

Euronext.liffe Amsterdam

144

57

87

Índia

Common Law

National Stock Exchange of India

1.955

418

1.537

Indonésia

Code Law

Indonesia Stock Exchange

574

144

430

Itália

Code Law

Bolsa de Valores da Itália

455

228

227

Japão

Code Law

Japan Exchange Group

3.038

420

2.618

México

Code Law

Bolsa Mexicana de Valores

198

87

111

Reino Unido

Common Law

London Stock Exchange

1.678

531

1.147

Romênia

Code Law

Bucharest Stock Exchange

368

263

105

Rússia

Code Law

MICEX – RTS

277

70

207

Turquia

Code Law

Borsa İstanbul

455

187

268

Total

23.196

8.464

14.732

Fonte: Elaboração própria

(1) Classificação baseada no estudo de La Porta et al. (1998)

Os dados apresentados na Tabela 1 foram obtidos na base de dados Thomson Reuters Datastream e se referem às empresas ativas das principais Bolsas de Valores de cada país que divulgaram suas demonstrações contábeis em moeda local. Dessa forma, o estudo partiu de uma população de 23.196 empresas atualmente listadas nos países estudados.

Posteriormente, excluiu-se as empresas do setor financeiro (bancos, empresas de serviços financeiros, fundos de investimento e empresas de seguro) e aquelas com ativo total igual a zero, com lucro líquido antes dos impostos igual ou menor que zero e despesa tributária corrente negativa. As empresas com ativo total nulo foram excluídas, pois é provável que a base de dados tenha apresentado um erro. Por sua vez, as exclusões de firmas com lucro igual a zero ou prejuízos e com despesas tributárias nulas ou negativas se justificam pela necessidade do cálculo da BTD, por meio da qual é desenvolvida a medida de CFF dos países.

Após todas as exclusões, a amostra final foi composta por um total de 14.732 empresas listadas em 26 países. Conforme pode ser observado na Tabela 1, a amostra inclui países com diferentes tamanhos e níveis de desenvolvimento do mercado de capitais (Leuz, Nanda, & Wysocki, 2003). Por exemplo, a Austrália, EUA e Japão possuem mais de 1.000 empresas, enquanto que países como Argentina, Áustria e Croácia possuem menos de 100 firmas listadas.

Por fim, também se observa, com base na classificação de La Porta et al. (1998), que seis países da amostra são de origem common law e vinte são code law. Apesar dessa diferença, ao considerar a quantidade de empresas listadas em cada um desses sistemas, é possível constatar que quase metade das empresas da amostra são de países common law (6.574).

3.2 Modelos

3.2.1 Índice de Gerenciamento de Resultados

A fim de analisar o impacto da CFF sobre o GR e considerando que a estrutura fiscal e financeira é determinada a nível-país, o estudo desenvolve uma medida de CFF e um índice de GR para cada nação individualmente e em cada ano em que o país aparece. Para isso, a primeira etapa da pesquisa envolve a estimação dos accruals discricionários necessários para o desenvolvimento dessas medidas. Esses accruals são obtidos a partir do modelo de Kothari, Leone e Wasley (2005) aplicado em cada país, o qual é dado pelo Modelo 1.

TAi,t = α0 + α1(1/Ai,t-1)+α2 (∆RECi,t-∆CARi,t)+α3IMOBi,t+α4ROAi,t-1+εi,t (1)

Em que:

TAi,t = accruals totais da empresa i no período t, calculado como a variação no ativo circulante não financeiro menos a variação no passivo circulante, excluindo a porção corrente da dívida de longo prazo, menos depreciação e amortização, escalado pelo ativo total em t-1;

Ai,t-1= ativo total ao final do período t-1;

∆RECi,t-∆CARi,t = variação da receita de vendas menos a variação das contas a receber, de t-1 a t, escalado pelo ativo total em t-1;

IMOBi,t = ativo imobilizado líquido no ano t dividido pelo ativo total em t-1;

ROAi,t-1= retorno sobre os ativos em t-1;

εi,t = é o erro aleatório da regressão, sendo εi,t ~ N (0, σ2).

O estudo optou pelo modelo de Jones (1991) adaptado por Kothari, Leone e Wasley (2005), pois esse se destaca dentre os modelos de GR em virtude da inclusão de uma medida de desempenho, nomeadamente, o ROA (Martinez, 2013).

Para a execução do Modelo 1, utilizou-se dados em painel ajustado por efeitos fixos, uma vez que o estudo foi composto pela população de empresas listadas na principal Bolsa de Valores de cada nação. A partir disso, estimou-se os accruals discricionários, que correspondem aos resíduos da regressão.

Ainda nessa etapa, um índice de GR foi elaborado para cada país em cada ano, o que envolveu quatro passos para seu desenvolvimento. Primeiramente, obteve-se os valores absolutos dos accruals discricionários e, a partir disso, calculou-se sua média para cada país-ano (o que é denominado DACCi). Com isso, o intuito foi identificar os países-anos que mais gerenciaram resultados, independentemente dessa manipulação ter sido realizada para aumentar ou reduzir os números contábeis. Logo, um maior DACCi indica maior GR, seja para baixo ou para cima.

Em segundo lugar, os DACCi foram ranqueados por país-ano em ordem ascendente, isto é, em cada ano foi feito um ranking que ordena os países do menor para o maior DACCi. No terceiro passo, foi atribuída uma numeração a essa classificação, que vai de zero (para o país com menor DACCi em um dado ano) a n-1 (para o país com maior DACCi, em que n é a quantidade de países incluídos no ano). Por último, esse ranking foi dividido por n-1, o que resultou num índice de GR que varia de 0 (país com menor nível de gerenciamento) a 1 (país com maior gerenciamento de resultados).

Em suma, o esquema de construção do índice de GR pode ser resumido conforme demonstrado na Figura 1 abaixo.

Figura 1: Esquema de desenvolvimento do índice de GR

Fonte: Elaboração própria

Contudo, deve-se destacar que esse índice de GR pode ser influenciado pela falta de controle dos aproveitamentos legais. Especificamente, a não inclusão de uma variável de controle sobre os incentivos fiscais resultaria em resíduos mais elevados (que correspondem aos accruals discricionários). Assim, o índice de GR, além de refletir a manipulação, poderia estar captando uma parte proveniente de incentivos fiscais.

3.2.2 Medida de Conformidade Financeira e Fiscal

O nível de CFF de um país pode variar ao longo dos anos. Levando isso em consideração, a segunda etapa do estudo desenvolve uma medida de CFF a partir da aplicação do Modelo de Tang (2014) em cada país-ano. Assim, as regressões foram realizadas com dados em corte transversal, seguindo o Modelo 2, a seguir.

BTDi,t = θ0 + θ1DACCi,t + θ2TPi,t+θ3DACC*TPi,t+εi,t (2)

Em que:

BTDi,t = book-tax differences total da empresa i no ano t, que é igual ao lucro contábil antes do imposto de renda (LAIR) multiplicado pela taxa de imposto estatutária (TIE) menos as despesas tributárias correntes (DTC), sendo o resultado escalado pelo ativo total (A);

DACCi,t = accruals discricionários obtidos a partir dos resíduos do Modelo 1;

TPi,t = medida de elisão fiscal, calculada como a TIE menos a taxa de imposto efetiva atual (ETR), que é a razão entre a DTC e o LAIR;

DACC*TPi,t = termo de interação entre os accruals discricionários e a medida de elisão fiscal;

εi,t = é o erro aleatório da regressão, sendo εi,t ~ N (0, σ2).

O Modelo 2 desenvolvido por Tang (2014) utiliza a BTD como variável dependente, a qual é tida como um indicador de agressividade fiscal e de GR pela literatura. Isso ocorre, pois, as manipulações do lucro contábil e do lucro tributável aumentam as diferenças entre eles, ou seja, elevam a BTD (denominada de BTD anormal). Contudo, a BTD também pode ser originada pelas diferenças legítimas existentes entre os padrões contábeis e as regras tributárias (que corresponde à BTD normal) (Tang, 2014).

Com base nisso, o Modelo 2 utiliza a BTD anormal (gerenciamento tributário e gerenciamento de resultados) para explicar as diferenças tributárias. Logo, a parcela que não pode ser explicada pela regressão (REQM) corresponde à BTD normal, ou seja, às diferenças tributárias relacionadas às normas, indicando o nível de CFF mandatória. Portanto, uma maior (menor) REQM indica menor (maior) conformidade.

Contudo, deve-se destacar que a variável REQM pode não conseguir refletir totalmente a parcela de conformidade mandatória. Isso ocorre, pois, a existência de incentivos fiscais é capaz de descontar a despesa tributária a ser paga, o que reduz a ETR e, por conseguinte, aumenta sua diferença em relação a TIE (o que eleva a variável TP). Dessa forma, a variável TP, além de refletir a elisão fiscal, estaria capturando uma parte do aproveitamento proveniente dos incentivos fiscais, o que tiraria uma parcela da conformidade mandatória medida pela REQM.

A partir da REQM de cada país-ano obtida por meio das regressões em corte transversal, é possível, então, construir uma medida de CFF que varie entre países e nos países ao longo dos anos. Para isso, foram seguidos três passos, semelhantemente a etapa anterior. Em primeiro lugar, foi feita uma classificação em ordem decrescente das REQMs, dentro de cada ano, a fim de classificar os países do menor para o maior nível de CFF, dado que maiores REQMs (BTD normal) indicam menor CFF.

Posteriormente, aferiu-se uma numeração a essas nações conforme a classificação obtida em cada ano, variando de 0 a n-1. Então, foi atribuído valor zero ao país com maior REQM em um dado ano, de modo a indicar que esse apresentou o menor nível de conformidade entre as normas contábeis e fiscais em tal ano. Já para o país de menor REQM, atribuiu-se n-1 (onde n é o número de países incluídos naquele ano), denotando que tal foi o país de maior CFF. Por fim, os rankings foram divididos por n-1, de modo a construir uma medida contínua de CFF que variasse de 0 (país com menor CFF) a 1 (nação com maior CFF).

A Figura 2, a seguir, apresenta um resumo do passo a passo da elaboração da medida de CFF.

Figura 2: Esquema de construção da medida de CFF

Fonte: Elaboração própria

Em resumo, o índice de CFF desenvolvido é uma medida relativa entre os países-anos que se baseia nas fontes regulatórias da BTD. Dessa forma, a variável CFF representa o ranking dos países-anos com maior proximidade entre as normas contábeis e fiscais.

3.2.2 Modelo de Associação entre CFF e GR

Para examinar a associação entre o nível de CFF e GR, realizou-se uma análise no nível-país, visto que a conformidade mandatória varia entre países, mas não entre empresas. Assim, aplicou-se o Modelo 3 com dados em painel:

GRi,t = α0+α1 CFFi,t+α2 SLi,t + α3 SL*CFFi,t + α4PDIi,t+α5 ILEGi,t+α6 DMCi,t+α7 DMC*CFFi,t+α8IFRSi,t +α9IFRS*CFFi,t+εi,t (3)

Onde:

GRi,t = índice de gerenciamento de resultados de cada país i em t;

CFFi,t = medida de conformidade financeira e fiscal de um país i no ano t;

SLi,t = dummy que reflete o sistema legal do país, assumindo 0 se common law e 1 se code law;

SL*CFFi,t = termo de interação entre o sistema legal e o nível de conformidade;

PDIi,t = nível de proteção ao investidor de um país i no ano t, obtido por meio do índice Protecting Minority Investors disponibilizado pelo Banco Mundial (varia de 0 a 10);

ILEGi,t = nível de imposição legal de um país i no ano t, representado pelo índice rule of law do Banco Mundial (em uma escala de -2,5 a 2,5);

DMCi,t = variável dummy que assume 1 se o mercado de capitais de um país for considerado desenvolvido pela Modern Index Strategy Indexes (MSCI), e 0 caso contrário;

DMC*CFFi,t = termo de interação entre o desenvolvimento do mercado de capitais de um país e seu nível de CFF;

IFRSi,t = variável igual a 1, caso o país i obrigue a adoção das IFRS no ano t, e 0 caso contrário;

IFRS*CFFi,t = termo de interação entre a adoção das IFRS e o nível de CFF;

εi,t = é o erro aleatório da regressão, sendo εi,t~N (0, σ 2).

As variáveis de interesse da pesquisa são o nível de CFF e o termo de interação entre o sistema legal e a CFF (SL*CFF), sendo que a primeira testa a hipótese H1a e a segunda a hipótese H1b.

Como variáveis de controle, optou-se por algumas características institucionais capazes de influenciar o GR nos países: índice de proteção ao investidor, nível de imposição legal, desenvolvimento do mercado de capitais e adoção das IFRS (Leuz, Nanda, & Wysocki, 2003; Burgstahler, Hail, & Leuz, 2006; Barth, Landsman, & Lang, 2008).

Além de impactar a prática de GR, esses fatores institucionais também são correlacionados com o nível de CFF exigido em uma nação (Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015). Assim, o Modelo 3 apresenta alguns fatores de interação entre CFF e (i) sistema legal, (ii) desenvolvimento do mercado de capitais e (iii) adoção das IFRS, pois o efeito da CFF sobre o GR pode variar dependendo dessas características. Portanto, por meio dos termos de interação, o objetivo é saber se e como duas variáveis interagem para explicar a variação no GR (Afshartous & Preston, 2011). Por fim, o Quadro 1 apresenta uma síntese dos sinais esperados das variáveis do Modelo 3.

Quadro 1: Sinal esperado das variáveis do Modelo 3

Variável

Sinal esperado

Explicação

CFF

(-)

Maior nível de CFF reduz GR, mesmo que haja uma perda de informação (Desai, 2005; Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015).

SL

(-)

Países code law (common law) são associados a menor (maior) GR, pois a normatização baseada em regras (princípios) reduz (aumenta) a discricionariedade dos gestores (Niyama, Rodrigues, & Rodrigues, 2015).

SL*CFF

(-)

Efeito da CFF sobre o GR é diferente entre os sistemas legais, sendo que em países code law a maior conformidade reduz o gerenciamento, devido a maior proximidade entre as normas e o próprio sistema (Tang, 2014; Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015).

PDI

(-)

Forte proteção ao investidor limita os incentivos para GR (Leuz, Nanda, & Wysocki, 2003).

ILEG

(-)

Forte imposição legal reduz GR, visto o escrutínio regulatório (Leuz, Nanda, & Wysocki, 2003; Burgstahler, Hail, & Leuz, 2006).

DMC

(-)

Mercado de capitais desenvolvido reduz assimetria de informação e, consequentemente, a possibilidade de GR (Leuz, Nanda, & Wysocki, 2003; Burgstahler, Hail, & Leuz, 2006).

DMC*CFF

(-)

Em países com mercado de capitais desenvolvido, a maior conformidade limita o GR, visto o efeito do desenvolvimento do mercado e da proximidade das normas sobre o gerenciamento (Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015; Burgstahler, Hail, & Leuz, 2006).

IFRS

(+)

Adoção das IFRS pode aumentar o GR, devido a normatização baseada em princípios e a maior discricionariedade possibilitada (Ahmed, Neel, & Wang, 2013; Niyama, Rodrigues, & Rodrigues, 2015).

IFRS*CFF

(+) (-)

O nível de CFF em países que adotam as IFRS pode aumentar (sinal positivo) o GR em virtude das normas baseadas em princípios, ou reduzir (sinal negativo), em decorrência da maior conformidade (Niyama, Rodrigues, & Rodrigues, 2015; Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015).

Fonte: Elaboração própria

3.3 Análise dos Pressupostos da Regressão

Em primeiro lugar, para tratar possíveis efeitos de outliers, realizou-se a winsorização dos dados em 1% e 99%. Além disso, para os modelos que utilizam dados em painel (Modelos 1 e 3), verificou-se a estacionariedade da série por meio do teste de Fisher-Type. Por fim, com relação aos pressupostos da regressão, foram realizados os seguintes tratamentos estatísticos:

a) Heterocedasticidade e autocorrelação: a fim de obter erros-padrão consistentes com possíveis problemas de heterocedasticidade e autocorrelação, os Modelos 1 e 2 foram executados com erros-padrão robustos clusterizados por indústria. Já no Modelo 3, a existência dessas violações foi verificada mediante os testes de Wald e Wooldridge, respectivamente.

b) Multicolinearidade: com o intuito de verificar se as variáveis explicativas de cada modelo são fortemente correlacionadas, procedeu-se a estatística Fator de Inflação da Variância (FIV). Nesse caso, se o FIV for maior que dez, constata-se a multicolinearidade. Porém, destaca-se que nos modelos 2 e 3, que incluem termo de interação, é provável que haja problemas de multicolinearidade em virtude da inclusão de duas variáveis aditivas e seu produto. Considerando isso, utilizou-se a técnica de centralização das variáveis (no Modelo 3), que consiste em subtrair cada valor observado de uma variável contínua por sua média para, posteriormente, calcular a interação. Assim, espera-se reduzir esse problema (Afshartous & Preston, 2011). Contudo, no caso do Modelo 2, a multicolinearidade não representa um problema, visto que seu objetivo é a previsão da REQM (Gujarati & Porter, 2011).

d) Normalidade dos resíduos: para testar se os resíduos dos modelos possuem distribuição aproximadamente normal foi realizado o teste de Shapiro-Wilk. No caso em que o valor-p rejeita a hipótese nula de normalidade, entretanto, pode-se apelar ao Teorema do Limite Central, segundo o qual as estatísticas de teste seguirão assintoticamente as distribuições apropriadas (Brooks, 2014).

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1 Ranking dos Países

Com relação ao Modelo 1 de GR, foi observada a ausência de multicolinearidade entre as variáveis e a estacionariedade das séries em todos os países analisados. Apesar disso, esse modelo não apresentou significância estatística na Áustria, Croácia, México e Romênia. Logo, optou-se por excluir esses países da análise, a fim de manter uma maior robustez nos resultados.

Posteriormente, obteve-se os accruals discricionários e se desenvolveu o índice de GR dos países-anos. Para fins de discussão, a Tabela 2 apresenta o ranking desse índice para o período, o qual é calculado a partir da média dos índices de cada país durante os anos.

Tabela 2: Ranking de países com maior índice de gerenciamento de resultados do período

Painel A: Ranking dos países com maior índice médio de gerenciamento

Rank

País

Sistema legal

Índice médio de GR

Média DACC

Espanha

Code law

0,9221

0,05576

Holanda

Code law

0,9047

0,05222

Canadá

Common law

0,8745

0,05035

Bélgica

Code law

0,8615

0,05197

Austrália

Common law

0,8398

0,04877

Finlândia

Code law

0,7792

0,04880

Itália

Code law

0,6753

0,04543

Reino Unido

Common law

0,6753

0,04463

EUA

Common law

0,5931

0,04311

10º

Grécia

Code law

0,5844

0,04228

11º

Alemanha

Code law

0,5628

0,04210

12º

França

Code law

0,4978

0,04090

13º

Índia

Common law

0,4978

0,03824

14º

Rússia

Code law

0,3723

0,03583

15º

Argentina

Code law

0,2554

0,03016

16º

Japão

Code law

0,2467

0,02966

17º

Brasil

Code law

0,2338

0,03010

18º

Coreia do Sul

Code law

0,1948

0,02804

19º

Indonésia

Code law

0,1775

0,02762

20º

Turquia

Code law

0,1212

0,02636

21º

África do Sul

Common law

0,1212

0,02616

22º

China

Code law

0,0087

0,02160

Painel B: Comparação do índice de gerenciamento de resultados entre países common e code law

Common Law

Code Law

Estatística Z

Média

0,6003

0,4624

3,151***

Fonte: Resultados da pesquisa

Primeiro, deve-se destacar que o índice médio de GR do Painel A da Tabela 2 denota a classificação média de cada país durante o período. Por exemplo, a Espanha apresentou um índice de 0,9221, o que significa que esse país atingiu, na maioria dos anos, as primeiras posições dentre os países analisados. Logo, pode-se afirmar que esse foi o país com maior índice de gerenciamento no período, seguido pela Holanda e pelo Canadá (sendo os dois primeiros países do sistema code law).

De maneira inversa, a China (code law) foi o país que ocupou, em média, posições mais baixas nos anos observados, sendo a nação com menor índice de GR no período. Adicionalmente, foi verificado que a África do Sul (common law) e a Turquia (code law) também foram os países que menos gerenciaram resultados.

A última colocação da China pode ser explicada por Chen, Lee e Li (2008), que argumentam que o GR por meio de accruals são mais raros nesse país, e que o principal meio de gerenciamento são as transações reais que envolvem ganhos não operacionais e/ou itens abaixo da linha. Ainda, esse resultado pode estar ligado ao sistema legal do país, que resulta em normas de contabilidade baseadas em regras.

Similarmente, o Brasil, que também é caracterizado como de origem code law, deteve uma classificação de relativo baixo nível de GR (17º). Especificamente, pode ser observado que o país ocupou a 6ª posição dentre os países que menos gerenciaram resultados no período, o que pode estar relacionado a origem legal.

Com efeito, o Painel B da Tabela 2 demonstra que países code law detêm menor índice de gerenciamento (0,4624) do que países common law (0,6003), e que essa diferença é significante. Esse resultado é consistente com Niyama, Rodrigues e Rodrigues (2015), que argumentam que a flexibilidade das normas nos países common law pode aumentar a utilização de mecanismos de GR, visto que as regras são baseadas em princípios.

O estudo também apresenta, na Tabela 3, o ranking de conformidade financeira e fiscal mandatória dos países para o período, o qual é calculado como sendo a média de CFF de cada nação durante os anos, cuja obtenção é descrita na seção 3.2.2.

Tabela 3: Ranking dos países com maior nível de CFF no período

Painel A: Ranking dos países com maior CFF

Rank

País

Sistema legal

CFF média

Média REQM

Coreia do Sul

Code law

0,8987

0,00527

Finlândia

Code law

0,8954

0,00509

China

Code law

0,8467

0,00562

Japão

Code law

0,8203

0,00574

Grécia

Code law

0,7167

0,00644

Holanda

Code law

0,7015

0,00675

Espanha

Code law

0,6342

0,00749

Itália

Code law

0,6307

0,00734

Argentina

Code law

0,6054

0,00837

10º

Indonésia

Code law

0,5931

0,00764

11º

Rússia

Code law

0,5011

0,00867

12º

África do Sul

Common law

0,4859

0,00921

13º

França

Code law

0,4781

0,00853

14º

Turquia

Code law

0,4206

0,00952

15º

Índia

Common law

0,3768

0,00989

16º

Brasil

Code law

0,3374

0,01061

17º

Alemanha

Code law

0,2887

0,01086

18º

Bélgica

Code law

0,2843

0,01150

19º

Reino Unido

Common law

0,2768

0,01095

20º

Canadá

Common law

0,1052

0,01522

21º

EUA

Common law

0,0567

0,01964

Painel B: Comparação da medida de CFF entre países common e code law

Common Law

Code Law

Estatística Z

Média

0,2203

0,6045

-8,724***

Fonte: Resultados da pesquisa

Como pode ser constatado no Painel A da Tabela 3, os países que tiveram maior nível de CFF no período foram a Coréia do Sul, Finlândia e China, que são países de origem code law. Por outro lado, os países com menor nível de conformidade foram a Austrália, EUA e Canadá, que são países classificados como common law.

Nesse contexto, Ali e Hwang (2000) explicam que, geralmente, os países de baixa CFF são do grupo Americano-Britânico, tais como EUA, Austrália, Canadá e Reino Unido. De fato, esses foram os países que detiveram menor nível de conformidade mandatória, ocupando quatro das cinco posições de menor CFF.

Aliás, é possível observar que as onze primeiras posições foram dominadas por países de origem code law, enquanto que as últimas colocações foram ocupadas por países common law. Logo, esses resultados são consistentes com a teoria e achados de pesquisas anteriores de que em países code law a CFF é maior (Ball, Kothari, & Robin, 2000; Tang, 2014).

Deveras, o Painel B da Tabela 3 corrobora essa análise, à medida que demonstra que a média de CFF foi significativamente maior em países de origem code law (0,6045) do que em nações common law (0,2203). Para Ball, Kothari e Robin (2000) e Choi e Meek (2011), a maior CFF em países do sistema code law pode ser explicada pela forte interferência governamental e pela influência da regulação e da contabilidade fiscal sobre as demonstrações.

Por último, destaca-se que o ranking obtido no estudo se assemelha, em alguns pontos, com a classificação de Atwood, Drake e Myers (2010) – cuja pesquisa buscou examinar se o nível de CFF afeta a persistência dos resultados e sua associação com os fluxos de caixa futuros. Ao analisar a medida de CFF (REQM) obtida pelos autores, é possível notar que em seus resultados os EUA e o Canadá também estiveram entre os países com menor CFF, enquanto que a China, Coreia do Sul e Japão também compuseram os cinco países de maior CFF.

Finalmente, com relação ao Brasil, foi verificado que o país obteve a 16ª colocação entre os países com maior CFF do período, o que é uma posição de relativa baixa conformidade. Esse resultado pode surpreender, uma vez que o Brasil é tipificado por ter forte interferência governamental no estabelecimento de normas e práticas contábeis, e sua legislação fiscal influenciava os procedimentos contábeis (Niyama, Costa, & Aquino, 2005).

Contudo, os resultados obtidos podem representar a mudança nesse cenário em virtude da convergência às IFRS, que promoveu uma desvinculação entre o Fisco e a Contabilidade e resultou num aumento das diferenças tributárias, isto é, reduziu o nível de CFF (Costa, 2012).

4.2 Impacto da Conformidade Financeira e Fiscal sobre o Gerenciamento de Resultados

Para responder à questão levantada, utilizou-se o Modelo 3. Primeiramente, deve-se destacar que, por meio do teste de Fisher-Type, foi constatado que a maioria das variáveis eram estacionárias, com exceção da variável PDI, que apresentou raiz unitária. Logo, essa foi utilizada em primeira diferença.

Com relação à multicolinearidade, aplicou-se a técnica de centralização das variáveis na média, a fim de reduzir esse problema. Entretanto, essa técnica ajuda a melhorar problemas de multicolinearidade decorrentes do dimensionamento das variáveis, isto é, de multicolinearidade não essencial. Por outro lado, a centralização não é capaz de reduzir a multicolinearidade essencial, que surge devido à relação/inclinação entre as variáveis independentes (Afshartous & Preston, 2011).

Nesse sentido, a partir do cálculo do FIV, foi verificado que a variável CFF apresentava indícios de forte multicolinearidade (FIV=14,30), e que o fator de interação SL*CFF contribuiu para isso (FIV=6,81). Sendo assim, pode-se afirmar que há multicolinearidade essencial entre as variáveis CFF e SL, uma vez que a centralização não conseguiu reduzir essa relação.

Com efeito, a literatura e os resultados do Painel B da Tabela 3 demonstram que o nível de CFF e a origem legal são correlacionados, e que países code law apresentam maior CFF (Ball, Kothari, & Robin, 2000; Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015). Portanto, optou-se por relaxar o pressuposto da multicolinearidade, visto que os estimadores ainda conservarão a propriedade de Melhores Estimadores Lineares Não Viesados (Gujarati & Porter, 2011).

Quanto aos problemas de heterocedasticidade e autocorrelação, os testes de Wald e Wooldrige apontaram a existência dessas violações. Desse modo, aplicou-se a clusterização nos países, a fim de obter erros-padrão robustos mesmo na presença de heterocedasticidade e autocorrelação.

Também, realizou-se o teste de normalidade dos resíduos de Shapiro-Wilk, o que indicou que os erros não seguiam uma distribuição normal. Contudo, com base no Teorema do Limite Central, pode-se relaxar esse pressuposto, pois as estatísticas seguirão assintoticamente as distribuições apropriadas, mesmo na ausência de normalidade dos erros (Brooks, 2014).

Por fim, como o Modelo 3 utiliza dados em painel, também foram realizados testes para constatar qual modelo era mais adequado: efeitos fixos, aleatórios ou pooled. Nesse sentido, o teste de Chow indicou o modelo de efeitos fixos em detrimento do pooled, enquanto que o teste de Breush-Pagan rejeitou o modelo pooled em prol do de efeitos aleatórios. Enfim, o teste de Hausman revelou que o modelo mais adequado era o de efeitos aleatórios e não o de efeitos fixos. Finalmente, a Tabela 4 apresenta os resultados obtidos para o Modelo 3.

Tabela 4: Resultados do Modelo 3

Variáveis

Sinal esperado

Coeficiente

Valor-p

CFF

(-)

-0,1674**

0,047

SL

(-)

-0,0143

0,851

SL*CFF

(-)

0,0169

0,800

PDI

(-)

-0,0009

0,963

ILEG

(-)

-0,0347

0,526

DMC

(-)

0,4813***

0,000

DMC*CFF

(-)

-0,0512

0,503

IFRS

(+)

0,0167

0,652

IFRS*CFF

(+)(-)

0,1725**

0,024

Constante

?

0,2320**

0,017

Obs.

218

R2

0,5787

F/Wald chi2

62,81***

Shapiro-Wilk(valor-p)

0,0000***

Teste de Hausman (valor-p)

0,5722

Teste de Breush-Pagan (valor-p)

0,0000***

Teste de Chow (valor-p)

0,0000***

Fonte: Resultados da pesquisa

***1% de significância, **5% e *10%.

Como pode ser verificado na Tabela 4, o modelo proposto foi estatisticamente significante a 1%, explicando 57,87% da variação do índice de GR. Além disso, é possível constatar que o GR apresentou associação significante com o nível de conformidade financeira e fiscal (CFFi), desenvolvimento do mercado de capitais (DMC) e com a interação entre a adoção das IFRS e o nível de conformidade (IFRS*CFF).

Conforme observado, o nível de CFF apresentou uma associação negativa e significante com o GR, ao nível de 5% de significância. Logo, é possível corroborar a hipótese H1a de que o grau de conformidade financeira e fiscal exigido nos países impacta negativamente o nível de gerenciamento de resultados. Desse modo, pode-se afirmar que um aumento no nível de conformidade financeira e fiscal dos países está associado a uma redução na prática de GR, indo ao encontro dos resultados de Frank, Lynch e Rego (2009) e Tang (2014).

Teoricamente, esse resultado é consistente com a hipótese de que a maior CFF reduz a discricionariedade e a possibilidade de os gestores gerenciarem resultados, visto que a proximidade entre os lucros contábil e tributável reduziriam os incentivos por parte dos executivos de manipular os resultados: ao gerenciar o lucro contábil para cima, as empresas teriam sua carga tributária elevada, e ao gerenciar o lucro tributável para baixo, o resultado divulgado para os investidores seria menor, o que também é indesejado (Desai, 2005; Hanlon & Shevlin, 2005; Blaylock, Gaertner & Shevlin, 2015).

Não obstante, o gerenciamento de resultados apresentou uma associação positiva com o desenvolvimento do mercado de capitais, indicando que, nos países pesquisados, os mercados desenvolvidos estão relacionados a um índice maior de gerenciamento de resultados.

Esse resultado é diferente do esperado, pois a maioria dos estudos aponta que o gerenciamento de resultados é menor em países com mercado de capitais avançado (Leuz, Nanda, & Wysocki, 2003; Burgstahler, Hail, & Leuz, 2006). Apesar disso, as empresas situadas nesses países podem ter incentivos diferentes para gerenciar resultados, como o próprio mercado (Burgstahler, Hail, & Leuz, 2006).

Por exemplo, o papel exercido pelos analistas seria maior em mercados desenvolvidos, gerando maior pressão sobre as empresas para atingir certos resultados e, consequentemente, maiores incentivos ao GR. Também, em países com mercado de capitais desenvolvido, os gestores estariam mais propensos a gerenciar resultados para evitar resultados negativos, a fim de atender as expectativas dos investidores (Brown & Higgins, 2005).

Finalmente, também foi constatada uma associação positiva entre o termo de interação IFRS*CFF e o gerenciamento de resultados. Esse resultado indica que o efeito da CFF sobre o GR é diferente entre os países-anos que realizaram ou não a convergência com as IFRS. Aliás, pode-se afirmar que em países e períodos de adoção das IFRS, a elevada CFF está relacionada a maior gerenciamento de resultados do que em países-anos que ainda não realizaram a convergência ou que não adotaram as normas internacionais.

Uma possível explicação para esse resultado está relacionada à relevância das informações contábeis (value relevance), especificamente da BTD. Como exposto anteriormente, a perda de informação da BTD, que é considerada uma proxy do GR, pode levar à uma relação positiva entre CFF e GR, pois os investidores teriam reduzida a sua capacidade de identificar a manipulação de resultados (Blaylock, Gaertner, & Shevlin, 2015).

Não obstante, a adoção das IFRS geralmente está associada a um aumento na relevância das informações contábeis (Barth, Landsman, & Lang, 2008). Nesse contexto, a BTD seria uma informação mais relevante e apresentaria maior montante, uma vez que a adoção das IFRS promove um distanciamento entre as normas contábeis e tributárias (Costa, 2012). Portanto, aumentar o nível de CFF em países que realizaram a convergência reduziria o montante da BTD e sua relevância, o que resultaria num aumento do nível de GR, devido à perda informacional (Guenther & Young, 2000; Ali & Hwang, 2000).

Por fim, foi constatado que o efeito da conformidade financeira e fiscal sobre o gerenciamento de resultados não divergiu entre países do sistema common law ou code law (SL*CFF), o que é diferente do resultado obtido por Tang (2014). Dessa maneira, não foi possível corroborar a hipótese H1b de que a relação entre o gerenciamento de resultados e o nível de conformidade financeira e fiscal é diferente entre os países common e code law.

Esse resultado pode ocorrer em virtude do reflexo causado pelas diferenças oriundas das tradições de cada país e a aplicação legal realizada por cada um ao longo do tempo (La Porta et al., 1998). Ainda há que se levar em consideração ao cenário ora analisado que a origem legal se distancia da prática contábil à medida que os países de origem code law passam a adotar as normas internacionais. Ou seja, ainda que se guarde relação entre as práticas legais com o arcabouço que orienta a prática jurídica de cada país, e até mesmo em certa medida a prática contábil, a adoção desses países às normas internacionais de contabilidade faz com que a interferência legal/fiscal sobre as práticas contábeis diminuam ou até se anule a ponto de haver de fato uma prática contábil calcada em princípios.

4.2.1 Análise de Sensibilidade e Robustez

Em primeiro lugar, é possível que o Modelo 3 apresente problemas de endogeneidade, devido à simultaneidade das variáveis GR e CFF. Especificamente, a variável CFF é desenvolvida a partir da REQM do Modelo 2, o qual utiliza os accruals discricionários como variável explicativa. Igualmente, a variável GR é construída com base no ranking dos accruals discricionários absolutos. Isto é, há gerenciamento de resultados nos dois lados da regressão. Levando em conta essa possibilidade, apresenta-se as seguintes evidências para validar a robustez nesse ponto:

O coeficiente de determinação estimado no estudo foi, aproximadamente, 0,58, e para Gujarati e Porter (2011), o coeficiente de determinação é considerado alto quando este for superior a 0,8.

Em análise não tabulada, foi verificado que a correlação entre as variáveis GR e CFF foi de -0,27, cujo valor está abaixo do que sugere Gujarati e Porter (2011).

Uma outra evidência de endogeneidade seria a falta de significância de um ou mais coeficientes ao se incluir a variável CFF. Nesse sentido, realizou-se a estimação sem a referida variável, e a única mudança que houve foi no termo de interação SL*CFF, que passou a ser significativo. Contudo, isso pode ser interpretado como algo natural por se tratar de uma variável de interação.

Porém, é fato que o modelo apresentou problemas de autocorrelação e, para tanto, o modelo foi estimado aplicando-se a clusterização, que estima erros-padrão robustos mesmo na presença de autocorrelação e heterocedasticidade. Portanto, em relação ao possível efeito feedback em virtude das variáveis GR e CFF, acredita-se que não esteja trazendo viés para os resultados estimados.

Em segundo lugar, considerando a falta de normalidade dos resíduos e a presença de outliers, optou-se por executar o modelo com regressão quantílica, cujo método é robusto para distribuições não normais e pouco sensível a outliers (Duarte, Girão, & Paulo, 2017).

Nesse sentido, realizou-se as regressões do Modelo 3 com quantis iguais a 0,25, 0,50 e 0,75, de modo a avaliar o efeito das variáveis independentes em países com baixo, mediano e alto índice de gerenciamento de resultados, respectivamente. Com isso, foi verificado que as variáveis e os sinais obtidos em todos os quantis foram semelhantes aos resultados alcançados por meio do método de MQO.

Isto é, o nível de conformidade financeira e fiscal (CFF), o desenvolvimento do mercado de capitais (DMC) e a interação entre a adoção das IFRS e a CFF (IFRS*CFF) foram estatisticamente significantes e mantiveram o sinal, apesar de algumas dessas variáveis terem apresentado maior significância em determinados quantis.

Ademais, nos quantis de mediano e baixo gerenciamento de resultados, verificou-se que outras variáveis (SL*CFF, ILEG e IFRS) também apresentaram significância estatística. Entretanto, em países com maior índice de gerenciamento de resultados (quantil = 0,75), as variáveis e sinais que se mostraram significantes foram iguais aos obtidos pela regressão com MQO. Portanto, é possível concluir que os resultados são robustos, mesmo que se utilize outro método de estimação.

Por fim, ao se considerar a heterogeneidade dos mercados de capitais, optou-se por excluir alguns países, a fim de analisar se os resultados obtidos não são influenciados por algum(ns) deles. Assim, levando em consideração a Tabela 1, foram verificados os países que tinham mais ou menos um desvio-padrão da média de empresas listadas nas Bolsas, o que levou a exclusão dos seguintes países: Austrália, China, EUA, Índia e Japão.

Posteriormente, os índices de gerenciamento de resultados e de conformidade financeira e fiscal foram reconstruídos sem os países citados, e a regressão foi estimada novamente. Desse modo, constatou-se que os sinais e o nível de significância das variáveis CFF, DMC e IFRS*CFF permaneceram inalterados. Contudo, a variável ILEG passou a deter significância estatística, indicando que países com maior imposição legal gerenciam menos os resultados, ou seja, indo ao encontro dos resultados já observados na seção anterior, bem como a literatura que a suporta (e.g. Frank, Lynch e Rego, 2009; Tang, 2014).

Portanto, é possível concluir que os resultados são consistentes mesmo com a ausência de normalidade dos resíduos (o que demonstra a aplicabilidade do Teorema do Limite Central no estudo) e com a heterogeneidade dos países (outliers).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do estudo foi analisar o impacto da conformidade financeira e fiscal exigida nos países sobre o nível de gerenciamento de resultados por meio de accruals, levando em consideração países common e code law do G-20.

Nesse sentido, os resultados demonstraram uma relação negativa entre o nível de CFF e o índice de GR nos países, consistente com a hipótese H1a . Isto é, a exigência de maior conformidade entre as normas fiscais e financeiras nos países limita a prática de gerenciamento de resultados. Logo, esse resultado apoia o entendimento de que ao elevar a conformidade, os gestores têm sua discricionariedade reduzida e os custos do gerenciamento aumentados.

Contudo, os resultados também expressam a importância de se considerar fatores institucionais antes de se avaliar o impacto da CFF sobre o GR. Especificamente, as evidências demonstram que o efeito da conformidade sobre o GR difere entre países-anos que realizaram ou não a convergência, sendo que, em países-anos que adotaram as IFRS, a elevada CFF foi associada a um aumento no índice de gerenciamento de resultados.

Portanto, é possível concluir que o nível de CFF exigido em um país pode influenciar a prática de GR das empresas, mas que essa relação pode diferir em decorrência de algumas características institucionais.

A pesquisa contribui com a literatura de GR e de CFF, à medida que apresenta a influência dessa sobre aquela. Além disso, é relevante para os órgãos normatizadores e reguladores responsáveis por estabelecer normas contábeis/fiscais, pois demonstra o efeito que a proximidade entre o lucro contábil e o tributável gera sobre o nível de GR dentro do país. Por fim, também é importante para a tomada de decisões de investidores, pois mostra que o nível de CFF exigido em um país pode afetar a qualidade das informações reportadas a eles.

Contudo, o estudo é limitado pelo próprio modelo de GR, uma vez que os resíduos podem estar sendo inflados devido à omissão de variáveis, e pela existência de multicolinearidade, que não pôde ser corrigida. Também, outra limitação é a simplificação na classificação dos sistemas legais e o fato dessa ser mais jurídica do que contábil e ter sido baseada em um estudo não tão atual. Ainda, a pesquisa é limitada pela falta de atualização monetária das variáveis e pela desproporção entre países de sistemas common e code law, além da falta de controle sobre os incentivos fiscais, que pode influenciar as medidas de GR e CFF

Por fim, outra limitação é a desconsideração da forma com que a informação nasce (contábil ou fiscal), já que o estudo só considerou a proximidade/distanciamento entre o lucro contábil e o tributável, e não observou em que sentido se dá os ajustes. Assim, sugere-se que pesquisas futuras examinem a relação entre CFF e GR, levando em conta o sentido da CFF. Além disso, também seria interessante que estudos futuros utilizassem outros modelos de gerenciamento de resultados conjuntamente, e que analisassem o impacto da conformidade financeira e fiscal sobre outras proxies da qualidade do lucro, além do GR.

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1 gessica_cappellesso@hotmail.com - Universidade de Brasília-DF. Brasil. https://orcid.org/0000-0002-4684-7376

2 jomar@unb.br - Universidade de Brasília-DF. Brasil. https://orcid.org/0000-0001-5961-243X

3 rgoncalves@unb.br - Universidade de Brasília-DF. Brasil. https://orcid.org/0000-0003-3768-2968

DOI: http://dx.doi.org/10.14392/asaa.2019120102

Artigo foi apresentado no XII Congresso ANPCONT realizado em João Pessoa/PB nos dias de 09 a 12 de junho de 2018.

Artigo submetido em: 06/12/2018. Aceito em: 08/05/2019.