CORRUPÇÃO PERCEBIDA: UMA ANÁLISE DA ASSOCIAÇÃO COM O AMBIENTE CONTÁBIL DOS PAÍSES DO G20

Reiner Alves Botinha1

Sirlei Lemes2

Resumo: A corrupção é tida como um problema latente que tem prejudicado o desenvolvimento dos países por meio de desvios de recursos que deveriam ser aplicados em diversos programas sociais. A Contabilidade é indicada pela literatura como um agente na luta anticorrupção e, nesse contexto, a presente pesquisa teve como objetivo identificar como o ambiente contábil afeta o grau de corrupção percebida dos países pertencentes ao grupo do G20. A pesquisa foi desenvolvida por meio da análise de dados em painel com 19 países pertencentes ao G20 e listados no Índice de Corrupção Percebida (ICP) nos períodos de 2006 a 2015. Além da variável ICP e daquelas representativas do ambiente contábil (IFRS e extensão do disclosure) foram incluídas no modelo variáveis de controle (tais como: (i) o Produto Interno Bruto - PIB, (ii) o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, (iii) voz e responsabilidade, (iv) estado de direito, (v) eficácia do governo, (vi) distância do poder, (vii) sistema legal, (viii) proteção dos investidores, (ix) carga tributária e (x) enforcement). Como resultado, verificou-se que além das forças institucionais políticas e econômicas, o ambiente contábil, representado pela extensão do disclosure, também influencia o grau de corrupção percebida dos países. Constatou-se que, apesar do IDH apresentar influência no ICP, o PIB per capita indicou maior influência na corrupção percebida, validando a adequação do uso predominante dessa proxy na literatura. A carga tributária dos países pode ser também um determinante na luta anticorrupção, tendo evidenciado significância estatística, o que permite sugerir, com base na literatura, que quanto maior a carga tributária, maior o estímulo de recursos públicos e, consequentemente, maior o desincentivo de práticas de corrupção.

Palavras-chave: Corrupção. IFRS. Disclosure. Accountability.

CORRUPTION PERCEIVED: AN ANALYSIS OF ASSOCIATION WITH THE ACCOUNTING ENVIRONMENT OF G20 COUNTRIES

Abstract: Corruption is seen as a latent issue that has hampered the development of countries through the diversion of resources that should have been applied in various social programs. The literature indicates Accounting as an agent in the struggle against corruption and, in this context, the present research aimed to identify how the accounting environment affects the degree corruption perception of the countries from the G20 group. The research was developed through the analysis of panel data with 19 countries from the G20 group and listed in the Corruption Perceptions Index (CPI) in the period from 2006 to 2015. In addition to the CPI variable and those representatives of the accounting environment (IFRS and extension of disclosure), control variables were included in the model (such as: (i) Gross Domestic Product - GDP, (ii) Human Development Index - HDI, (iii) voice and responsability, (iv) rule of law, (v) government effectiveness, (vi) distance of power, (vii) legal system, (viii) investor protection, (ix) tax rate and (x) enforcement. As a result, it has verified that besides the political and economic institutional forces, the accounting environment, represented by the extent of disclosure, also influence the degree of corruption perceptions by the countries. It was observed that, although the HDI has an influence on CPI, GDP per capita indicated a greater influence on perceived corruption, validating the adequacy of the predominant use of this proxy in the literature. The tax burden of the countries can also be a determinant in the struggle against corruption, having shown statistical significance which suggests, based on the literature. that the higher the tax burden, the greater the encouragement for public resources and, consequently, the greater the disincentive of corruption practices.

Keywords: Corruption. IFRS. Disclosure. Accountability.

1. INTRODUÇÃO

Acorrupção tornou-se um fenômeno generalizado que consome uma enorme quantidade de recursos que os separa daqueles de uso legal e de canais de maximização de lucros, em uma sociedade moderna e antiga (Bosco, 2016). A escala desse problema é significativa, sendo que nenhum país no mundo é livre de corrupção e 68% enfrentam sérios problemas relacionados à situação (Transparency, 2016a).

A corrupção é percebida como um flagelo, que impede o desenvolvimento econômico e social, desviando boa quantia das receitas governamentais que poderiam ser aplicados na educação, saúde e programas sociais (Neu, Everett, Rahaman & Martinez, 2013). Segundo o Transparency (2016a), instituição não governamental que apoia as políticas anticorrupção, os países pobres perdem cerca de US$ 1 trilhão por ano para a corrupção e cinco dos dez países mais corruptos estão entre os dez menos pacíficos do mundo. Evidencia-se assim que a corrupção consome não apenas recursos públicos como também inibe melhores condições de vida.

Os agentes da Contabilidade parecem propensos a cooperar na luta contra a corrupção, sendo, por exemplo, essencial o papel do auditor na redução de práticas de fraudes e redes de corrupção (Everett, Neu & Rahaman, 2007). Até 2015, as auditorias forenses junto aos demais agentes envolvidos no projeto anticorrupção, liderado pelo Banco Mundial, detectaram, antecipadamente, ações corruptas de empresas, impedindo que recursos significativos fossem concedidos a empresas que haviam tentado desenvolver condutas indevidas (World Bank, 2015).

A visão funcionalista da Contabilidade expõe o contador como sendo um agente reparador das fragilidades inerentes às barreiras anticorrupção, com a função de ajudar a combater a corrupção (Neu et al., 2013). É imperioso destacar que quanto maior a fragilidade das barreiras anticorrupção, maior é a facilidade na compra e venda direta de influências políticas.

Se de um lado a Contabilidade pode assumir um papel meritório na batalha anticorrupção, por outro, ela também pode ser percebida como tendo um papel indecoroso nesse cenário. Rock e Bonnet (2004), por meio de uma análise de casos de corrupção, identificaram que as práticas contábeis auxiliam a organizar a rede de corrupção, não sendo responsável apenas por estruturar barreiras anticorrupção, mas também atuando como uma “espinha dorsal” das redes de corrupção.

Sem perder as esperanças nas práticas contábeis rumo à sua função anticorrupção, cabe ressaltar que quando o ambiente de Contabilidade melhora, a corrupção percebida também melhora. Uma das formas em que os países podem aperfeiçoar o seu ambiente contábil é por meio da adoção das Normas Internacionais de Contabilidade, as International Financial Reporting Standards (IFRS) (Houqe & Monem, 2016).

Ancorada na Teoria Institucional, a presente pesquisa propôs identificar como o ambiente contábil afeta o grau de corrupção percebida dos países pertencentes ao grupo do G20. Como objetivos específicos, buscou-se: (i) identificar a contribuição da convergência às IFRS; e (ii) verificar a contribuição da extensão do disclosure contábil (como proxies do ambiente contábil) para o cenário de corrupção desses países. Por meio da pesquisa é possível observar também os fatores institucionais que melhor explicam o cenário de corrupção dos países, inclusive o nível de desenvolvimento humano, como proxy alternativa ao Produto Interno Bruto (PIB), comumente utilizado em outras pesquisas.

Justifica-se o uso dos países do G20 como amostra do presente estudo por representarem as 19 maiores economias do mundo somadas à União Europeia, o principal fórum de cooperação internacional sobre questões mais importantes da agenda econômica e financeira em nível mundial. Adicionalmente, essas economias também engajaram com o compromisso público de apoiar as IFRS como único conjunto de normas de Contabilidade globais de alta qualidade (IFRS, 2016). Somado a estes fatos, selecionou-se o grupo em virtude dos países listados se diversificarem ao abranger tanto países altamente desenvolvidos, como países em desenvolvimento, assim como agrupar tanto países classificados com maior grau de corrupção, quanto países considerados com maior grau de integridade.

Pesquisas apontam que a adoção das IFRS melhora automaticamente o ambiente contábil e reduz a corrupção (Houqe & Monem, 2016). Outras, por sua vez, questionam essa afirmação indicando a adoção das IFRS como insuficiente para uma melhora automática do ambiente contábil e a redução da corrupção e sugerem variáveis alternativas como mais impactantes (Wu, 2005; Kythreotis, 2015), porém sem testar as premissas de IFRS e disclosure. Diante dessa dualidade de discussões, o presente estudo fundamenta-se na necessidade de mais investigações acerca da associação do papel da Contabilidade com a corrupção dos países.

O estudo representa uma contribuição para a literatura ao investigar o relacionamento entre o grau de corrupção percebida dos países e o ambiente contábil, controladas as demais proxies determinantes sugeridas a partir da literatura, em um cenário envolvendo países tanto desenvolvidos, quanto emergentes. Espera-se colaborar, também, para a prática, apontado os benefícios das IFRS para os países com maior grau de corrupção percebida e, consequentemente, menor percepção de proteção aos investidores. A Figura 1 ilustra o desenho da pesquisa no que tange a relação entre as variáveis do estudo.

Figura 1 - Relação entre as variáveis da pesquisa.

Fonte: elaborado pelos autores.

O trabalho está estruturado conforme segue. Na primeira seção é apresentada a introdução do trabalho e, na segunda seção, são descritas as principais plataformas teóricas que fundamentaram o estudo. Na seção três, expõem-se os principais aspectos metodológicos. Na quarta seção são abordadas as análises dos resultados e, na última seção, são tecidas as considerações finais do estudo.

2. QUADRO TEÓRICO

2.1 Corrupção e a Corrupção Percebida

Embora o comportamento corrupto possa ser definido de diferentes formas e sob contextos e situações distintos, o seu aspecto principal consiste na transferência ilegal ou não autorizada de dinheiro (ou substituto em espécie), em que a pessoa subornada deve atuar como um agente de outro indivíduo ou organização, já que a ideia do suborno é que os próprios interesses desse agente prevaleçam sobre os objetivos da organização na qual trabalha (Rose-Ackerman, 1975). Assim, para se configurar como uma prática de corrupção, o subornado deve estar em posição de poder, gerada por imperfeições de mercado ou por posição institucional que lhe permita autoridade discricionária (Rose-Ackerman, 1975).

Entende-se corrupção como sendo o uso indevido ou abuso de poder discricionário exercido por funcionários de cargo público para obter ganhos privados ou envolver-se em atividades de maximização de lucros não autorizadas, destinados ao interesse próprio (Neu et al., 2013; Houqe & Monem, 2016). No entanto, outros estudos destacam a possibilidade de situações em que o subornado é um funcionário de iniciativa privada (Rose-Ackerman, 1975; Malagueño, Albrecht, Ainge & Stephens, 2010).

Rose-Ackerman (1975), embora recorra à abordagem clássica da corrupção como sendo um indivíduo privado buscando subornar um burocrata do governo (termo burocrata usado para denominar os funcionários do governo com poder discricionário a ele confiado) para obter um contrato do governo, generaliza a corrupção para situações em que funcionários privados e não-governamentais são receptores de subornos, assim como aquelas em que um burocrata do governo suborna outro.

O World Bank (2016a, p. 1) traz que a corrupção é tida como uma prática que tenha como objetivo “oferecer, dar, receber ou solicitar, direta ou indiretamente, qualquer coisa de valor para influenciar indevidamente as ações de outra parte”. O próprio World Bank (2016a) ilustra este caso com a atitude de um fornecedor que concorda em pagar propina a um funcionário do governo para lograr influência na avaliação e seleção de um processo de licitação, sendo que este fornecedor, após ser aprovado no processo, geralmente, compensa os custos do financiamento da propina por meio do fornecimento de produtos com custos menores e menor qualidade. Logo, se observam os prejuízos da corrupção na infraestrutura e na qualidade dos serviços.

A definição que expressa o problema da corrupção de uma forma que inclui tanto agentes públicos quanto privados no ato corrupto é a de Nichols (2017, p. 3), que a define como “o abuso ou uso indevido de poder ou confiança para propósitos de interesse próprio, em vez dos propósitos para os quais o poder ou a confiança foram dados”. Essa é a definição adotada na presente pesquisa.

Impende assinalar que as definições referidas tratam de práticas de corrupção real. Mas a corrupção pode ser analisada sob duas formas: a corrupção real (apresentada) e a corrupção percebida, que se refere à percepção geral de uma sociedade (Houqe & Monem, 2016).

Ambas as formas de captar a corrupção de um país – corrupção real e corrupção percebida - estão relacionadas entre si. A corrupção real afeta a corrupção percebida, no entanto pode haver percepção de corrupção, mesmo que não haja a corrupção real, ou seja, se um país apresenta falta de monitoramento no setor público, baixo controle anticorrupção e, em consequência, expõe uma falta de infraestrutura e de benefícios oferecidos à população, isso pode desencadear uma corrupção percebida que, por si só, gera desconfiança no ambiente, mesmo que não se tenham confirmadas tais práticas de corrupção (Houqe & Monem, 2016).

Resta induvidoso que, instaurando-se essa percepção de corrupção no país, se eleva a cultura de suborno para garantir os bens e serviços objetivados (por exemplo, para garantir um benefício fiscal ou um contrato público de licitação) e essa desconfiança eleva o nível de corrupção real de um país, sendo, portanto, a corrupção percebida mais prejudicial do que a própria corrupção real (Houqe & Monem, 2016), pois estimula-se um comportamento que gera corrupção mesmo em situações em que as práticas são ainda incomprovadas.

Países classificados com grau mediano de corrupção a altamente corruptos (highly corrupt) são mais representativos do que países considerados menos corruptos ou livres de corrupção. Adicionalmente, é possível observar que países julgados mais desenvolvidos (Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália, Japão e os países escandinavos ou nórdicos da Europa) estão mais próximos da classificação correspondente à livre de corrupção (very clean).

No ano de 2015, Austrália, Brasil, Líbia, Espanha e Turquia declinaram no índice de corrupção percebida em relação ao ano de 2014, o que denota um aumento na percepção como países corruptos em decorrência de um número significativo de casos de corrupção reportados. No Brasil, por exemplo, os escândalos da Operação Lava-Jato envolvendo a Petrobrás, em que políticos recebiam propinas em troca de concessão de contratos públicos, são justificativas para sua mudança no ranking. Mais de US$ 2 bilhões em subornos, propinas e lavagem de dinheiro foram reportados e dezenas de milhares de brasileiros tiveram seus empregos sacrificados (Transparency, 2016a). Este é um caso de corrupção em que a população sofre consequências diretas pelo consumo ilegal de recursos, mesmo não sendo os responsáveis pela prática.

2.2 Corrupção e a Contabilidade

Perante o cenário de corrupção que atinge o cenário global, existem órgãos focados em desenvolver programas anticorrupção. Os mais significativos nessa luta são: Banco Mundial, as Nações Unidas, a OCDE e a Transparência Internacional (TI). Além destes, há ainda outros que também atuam ativamente: FMI, o Conselho da Europa, a Câmara de Comércio Internacional, os Vigilantes dos Direitos Humanos e a INTERPOL (Everett et al., 2007).

Muitos dos órgãos com programas anticorrupção observam na Contabilidade um potencial auxílio nas ações para combater as práticas de corrupção. Por considerarem que a corrupção corrói os valores fundamentais da sociedade, além de tornar-se prejudicial ao desenvolvimento econômico, muitas das organizações mencionadas recrutam contadores para trabalharem na luta contra a corrupção. O Banco Mundial, por exemplo, forneceu um volume significativo de recursos à INTOSAI (Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores) para treinar a população, sobretudo, os profissionais contábeis, para que estes estejam suficientemente preparados para a luta anticorrupção (Everett et al., 2007).

Segundo Rahman (2016), o problema da corrupção afeta as decisões dos investidores internacionais quanto a investir em mercado de capitais de um país, o que passa a figurar como uma questão de preocupação para os órgãos reguladores. Ainda de acordo com o autor, se a Contabilidade cria projetos e metodologias que possam reduzir a corrupção percebida em um país, ela pode gerar efeitos benéficos propulsores do fluxo de investimento no mercado de capitais.

Existem duas linhas de pensamento no campo anticorrupção. Primeiro, tem-se a visão ortodoxa, que é a abordagem de discurso das pesquisas acadêmicas e das organizações anticorrupção (Banco Mundial, NU, OCDE e TI) com relação à corrupção, destacando que a Contabilidade é parte de uma causa nobre. A outra linha de pensamento consiste na visão radical, que questiona esses entendimentos e aponta subjetividade e vícios nas estratégias anticorrupção (Everett et al., 2007). A presente pesquisa segue a abordagem ortodoxa.

Sob uma visão ortodoxa, por meio da Contabilidade, há três classes de estratégias para lidar com a corrupção – controle, eficiência e voz – as quais são exercidas por agentes da Contabilidade. Nesse caso, a Contabilidade se sustenta em três pilares na luta anticorrupção: a eficiência, o controle (accountability) e a divulgação (Everett et al., 2007). Desta forma, sugere-se que a Contabilidade, potencialmente, desempenha um papel importante na redução da corrupção e em como a sociedade percebe essa corrupção.

Pautando-se pelos pilares da integridade, a função de controle (1ª estratégia) pode ser vista como um importante meio de combater a corrupção e se sustenta na melhoria dos sistemas legais, educacionais, o que torna o estado um promotor credível de leis. Para combater a corrupção é necessário reformar os sistemas de administração tributária e aduaneira, aperfeiçoar relatórios, medir o desempenho dos servidores públicos e fortalecer agências de fiscalização, como as auditorias (Everett et al., 2007).

Segundo Everett et al. (2007, p. 520), em observação às propostas do Banco Mundial, os países que desejarem lutar contra a corrupção e melhorar o seu sistema de prestação de contas deverão trabalhar para: “(i) implementar um sistema de informação de gestão financeira eficaz; (ii) capacitar uma base profissional de contadores e auditores; (iii) adotar e aplicar normas contábeis internacionalmente aceitas; (iv) estabelecer um forte quadro normativo”.

A adoção de normas contábeis internacionalmente aceitas permite criar a expectativa de que países adotantes das IFRS possam experimentar um declínio em sua corrupção percebida. As IFRS podem impactar na corrupção por meio da promoção do disclosure e estabelecimento da accountability (controle), sendo um instrumento indispensável para a Contabilidade desempenhar um papel duplo na redução da corrupção, ou seja, tanto da corrupção em si quanto da corrupção percebida (Houqe & Monem, 2016). A harmonização das normas contábeis e de auditoria deveria ser a prioridade para os contadores interessados na luta contra a corrupção (Everett et al., 2007).

O pilar da eficiência (2ª estratégia) na visão ortodoxa consiste no fato de se criar condições para que haja, efetivamente, a saída das instituições do status de corrupção, assim como criar meios para desestimular tais práticas. Algumas propostas colocadas por Everett et al. (2007) se referem a privatizar os serviços governamentais, melhorar a prestação de contas por funcionários públicos e liberar forças de mercado (por exemplo, ao realinhar as taxas de câmbio, reduzir a burocratização, facilitar empréstimos e restringir subsídios públicos).

Outro ponto levado em conta por Everett et al. (2007) seria estimular a concorrência, partindo da perspectiva de que a concorrência restringe a corrupção, sugerindo que quanto maior a privatização do estado e maior a possibilidade de permitir confiança a empresários do setor privado, maior seria a eficiência (Everett et al., 2007). Em meio à competição, se o empresário se envolve em escândalos de corrupção, por exemplo, ele poderia perder espaço para a concorrência.

A terceira estratégia da Contabilidade na visão ortodoxa seria a voz, ou divulgação, que defende que membros da sociedade civil deveriam conhecer as consequências da corrupção melhor do que especialistas distantes, uma vez que estão em posição confortável para monitorar o problema. Nessa esteira, é defendido que as pessoas precisam ter poder na luta contra a corrupção, deve haver mobilização e envolvimento do público e, para isso, é necessário que haja informação. A Contabilidade poderia facilitar esta estratégia ao permitir a educação pública por meio de divulgação de informações, com relatórios altamente abrangentes sobre atividades e gastos do governo, além de informar sobre desvios de eficiência e outras pertinências (Everett et al., 2007).

Kimbro (2002), quanto a importância de aumentar a probabilidade de detecção de ações corruptas, indicou elevar a responsabilidade, a transparência, a supervisão independente, as auditorias e o acesso à informação, destacando a Contabilidade como um mecanismo de controle sobre o exercício arbitrário do poder exercido pelo governo. Os resultados de sua pesquisa sublinharam a necessidade de a Contabilidade desempenhar um papel incontestável, fornecendo evidências que sugerem que declarações financeiras melhores e mais transparentes estejam associadas à redução da corrupção.

Segundo Kimbro (2002), a má informação conduz o usuário a maior incerteza e agrava o problema da relação principal-agente. Essa falta de informação, junto ao sigilo (chamada de secrecy), permite a prática de corrupção, que, geralmente, envolve um pagamento financeiro na forma de um suborno, fraude, retrocesso ou roubo, em que empresas privadas ou indivíduos estão envolvidos.

No entanto, maior transparência de informações contábeis não gera, por si só, menor corrupção. O Índice de Corrupção Percebida (ICP ou Corruption Perception Index), conforme mencionado, mede os níveis percebidos de corrupção no setor público em todo o mundo. De forma ilustrativa, no ranking de 2015, como anteriormente citado, houve uma situação marcante no Brasil o caso Petrobrás - que permitiu uma forte redução no índice de corrupção percebida do país, uma vez que, quanto menor a pontuação no índice mais o país se aproxima do status de alta corrupção (Transparency, 2016a). Conforme se observa no transcorrer de todo o processo, mesmo tratando-se de uma empresa que se destacava em termos de transparência de suas informações, indicando a qualidade da Contabilidade, verificou-se que a corrupção ocorreu e envolveu não apenas um ou outro agente que suborna ou é subornado, mas uma rede de corrupção.

Desse modo, há carência de estudos que façam o levantamento do papel efetivo desempenhado pela Contabilidade ante as anomalias da corrupção com que a sociedade convive e que são responsáveis por restringir recursos essenciais à população em detrimento de privilégios e interesses privados de um grupo ou de uma pessoa. É nessa vereda que se traçaram os objetivos do presente estudo.

Espera-se que as organizações respondam às externalidades e macropressões, objetivando a legitimidade e, para isso, a adoção do padrão IFRS e maior nível de disclosure pode traduzir em maior atendimento ao que “é correto e formal”. Esse comportamento caracterizaria a busca das organizações pela legitimidade de suas ações, limitando-se, assim, ações ilegítimas e informais como as práticas de corrupção (Nurunnabi, 2015). Portanto, espera-se, que a adoção das IFRS permita melhorar as informações apresentadas, alcançar a legitimidade, aprimorar o ambiente contábil e, consequentemente, atenuar a corrupção percebida dos países. Nessa seara, apresenta-se a seguinte hipótese a ser testada:

H1: O grau de corrupção percebida dos países está associado à força do seu ambiente contábil.

Segundo Misangyi (2008) os atores sociais que buscam mitigar a corrupção funcionam como empreendedores institucionais e a realização dessa busca depende tanto da articulação de uma lógica institucional anticorrupção que incorpore identidades, esquemas cognitivos e práticas de corrupção quanto do desenvolvimento do que é necessário para propagar a nova lógica institucional anticorrupção. Na perspectiva de Nurunnabi (2015), conforme a Teoria Institucional, as organizações, para garantir legitimidade, como por exemplo quando se adota as IFRS, buscam menos as práticas consideradas corruptivas (Nurunnabi, 2015). Desta maneira, essa pesquisa se fundamenta na Teoria Institucional. A Tabela 1 exibe pesquisas anteriores sobre a relação existente entre a corrupção e a contabilidade.

Tabela 1: Estudos anteriores sobre contabilidade e corrupção

AUTOR/ ANO

MÉTODOS

OBJETIVOS

RESULTADOS

Houqe e Monem (2016)

Amostra: 104 países; Período: 2009-2011.

Investigar se a adoção das IFRS e o grau de divulgação em um país reduzem a corrupção percebida, controlados os efeitos das instituições políticas e de desenvolvimento.

A experiência com a IFRS e a extensão do disclosure estão negativamente relacionadas à percepção de corrupção em um país. Países em desenvolvimento se beneficiam mais da experiência com IFRS.

Kimbro (2002)

Amostra: 61 países; Período: 1995-1999.

Examinar um modelo em que variáveis econômicas, culturais e de monitoramento/ institucionais estão associadas a uma medida de corrupção.

Países com leis melhores, judiciário mais efetivo, bons padrões de relatórios financeiros e maior concentração de contadores são menos corruptos.

Kythreotis (2015)

Amostra: 15 países; Período: 2000-2009.

Examinar se a mudança na confiabilidade resultante da adoção das IFRS resulta apenas da adoção das normas ou se é influenciada pelo grau de corrupção de cada país.

O nível de confiabilidade das demonstrações financeiras em cada país não depende somente da adoção das IFRS mas também é influenciado pelo grau de corrupção.

Lourenço, Rathke, Santana & Branco (2018)

Amostra: 33 países; Período: 2011-2013

Examinar se as empresas dos países com níveis mais altos de corrupção possuem níveis de gerenciamento de resultados mais altos do que países com níveis mais baixos de corrupção.

Maior percepção de corrupção está relacionada a incentivos mais altos para as empresas manipularem os ganhos no caso dos países emergentes, diferentemente dos países desenvolvidos onde o nível de proteção dos investidores minoritários é maior.

Malagueño et al (2010)

Amostra: 57 países; Período: 2003.

Entender melhor a relação entre a qualidade da contabilidade e auditoria e o nível de corrupção percebida.

Pode-se reduzir o nível de corrupção percebida, melhorando a transparência dos relatórios financeiros e os padrões de contabilidade e auditoria (qualidade da contabilidade e auditoria).

Picur (2004)

Amostra: 34 países; Período: 1985-1998.

Explorar o impacto da qualidade da contabilidade em um determinado país, medido por um índice de opacidade dos lucros, no nível de corrupção do país.

Relações significativas entre o nível de corrupção e o nível de opacidade dos lucros após o controle do desenvolvimento econômico, desenvolvimento humano, tamanho do governo e liberdade econômica.

Santos e Takamatsu (2016)

Amostra: 20 países; Período: 2004-2013.

Avaliar a relação entre a corrupção a nível nacional e a opacidade dos resultados contábeis de empresas localizadas em países emergentes.

A ausência de corrupção foi negativamente correlacionada com a variável suavização dos lucros e aversão a perdas, ou seja, quanto maior o nível de corrupção, maior o estímulo para que os números da contabilidade sejam mais opacos.

Nascimento, Lourenço, Sauerbronn e Bernardes (2018)

Amostra: 51 países; Período: 2002, 2005, 2008.

Investigar como o ambiente institucional de Contabilidade, a Voz e Accountability e a Distância do Poder relacionam-se com a percepção de corrupção governamental.

A distância do poder é um antecedente da qualidade do ambiente de auditoria, do grau de atividade de enforcement e da intensidade de participação popular na governança de um país. Portanto, condições culturais e sociopolíticas de ordem democrática antecedem e moderam o potencial da contabilidade na redução da corrupção.

Fonte: elaborado pelos autores.

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS

3.1 Seleção da amostra e período da coleta de dados

O ICP é o indicador de corrupção mais utilizado nas pesquisas sobre corrupção. Ele representa o ranking dos países com base na percepção da dimensão da corrupção do setor público, sendo um índice composto por pesquisas e avaliações sobre corrupção, recolhidos por várias instituições, baseando-se, geralmente, em atividades ilegais deliberadamente ocultas e que são evidenciadas por meio de escândalos, investigações e processos judiciais (Transparency, 2016a). Subornos reportados, número de processos judiciais instaurados e estudos de casos em processos legais diretamente ligados à corrupção são exemplos de atividades pesquisadas para compor o índice (Transparency, 2016a).

A pontuação expressa pelo ICP de um país indica o nível da percepção sobre a corrupção do setor público numa escala de zero a cem, em que zero demonstra que o país é avaliado como altamente corrupto, e cem, considerado um país íntegro.

A classificação dos países no ranking indica sua posição em relação aos demais países incluídos no Índice. Cumpre ressaltar que para que o país esteja na classificação, ele deve estar incluído em pelo menos três das fontes de dados do ICP. Se não consta na classificação, isso se deve, exclusivamente, à insuficiência de informação recolhida e não de uma indicação de que não exista corrupção.

No ano de 2015, 168 países estavam listados. Todas as jurisdições do G20 estavam também arroladas no ICP. É válido destacar que, embora os países do G20 apoiem um único conjunto de normas de Contabilidade globais de alta qualidade, alguns deles ainda não requerem a elaboração das demonstrações contábeis das respetivas companhias domésticas listadas de acordo com as IFRS, mas estudam essa total convergência (IFRS, 2016). No entanto, considera-se que a listagem de tais países na amostra não prejudica a análise no presente estudo, uma vez que se propõe analisar a adoção das IFRS em todas as gradações, desde a não adoção até maior período de experiência.

O ICP baseia-se em fontes de dados recolhidos ao longo dos últimos 24 meses anteriores à sua apuração e é analisado por instituições independentes especializadas em governança e ambiente de negócios, que atuam juntamente com parceiros no governo, empresas e sociedade civil, em busca de criar medidas eficazes de combate à corrupção. Isso se deve ao fato de a instituição gestora do índice – Transparency Internacional - ser responsável também pelos projetos da Convenção Anticorrupção da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e Pacto Global da ONU (Organização das Nações Unidas), ou seja, ela trabalha em parceria com grandes organizações mundiais (Transparency, 2016b).

A amostra final é composta por 19 países elencados no índice ICP e com dados disponíveis para o estudo. Assim, a amostra final foi composta por: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coréia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia. Da composição do G-20 foi excluída a União Europeia por não apresentar dados individuais. Os dados foram obtidos para o horizonte temporal de 2006 a 2015.

3.2 Variáveis utilizadas e modelo de dados em painel

Para a composição do modelo de dados em painel (apresentado após a Tabela 2 de variáveis), a variável dependente foi o índice ICP. Foram empregadas também variáveis de controle referentes às características das empresas do país, como as macroeconômicas, referentes a instituições públicas, as culturais e outras que possam interferir na corrupção, conforme apontado em estudos anteriores. A Tabela 2 discorre sobre as variáveis previamente selecionadas.

Tabela 2: Variáveis analisados no estudo

Variável-Sigla

Métrica/Hipótese

Fonte e Estudos Anteriores

Variáveis dependente

Corrupção Percebida – ICP

(quanto menor o escore, menor a corrupção percebida)

Índice de Corrupção Percebida: indica a percepção da dimensão da corrupção do setor público do país, registrando valores entre 0 e 100 sendo mais próximo de 100 um país altamente íntegro e mais próximo de 0 um país altamente corrupto. Para facilitar a interpretação do índice, foi multiplicado os valores originais do índice por -1, de forma que os países com menor corrupção percebida apresentassem menores valores e países com maior percepção de corrupção apresentassem também maior valor para a variável.

Fonte: Índice de Corrupção Percebida (Corruption Perceptions Index – ICP) da Transparency (2016a).

Estudos anteriores: Kimbro (2002); Malagueño et al. (2010); Zhang (2012); Houqe & Monem (2016)

Variáveis independentes

Adoção das IFRS – IFRS

Indica se o país adota ou não as IFRS. Foi atribuído 0 a países que não adotavam as IFRS no período e 1 para os países que requeriam o uso das IFRS para as empresas listadas.

H1A: O grau de corrupção percebida dos países está associado à adoção dos países às IFRS

Fonte: IFRS Foundation (IFRS, 2017); IAS PLUS, Deloitte Tomatsu (2017).

Estudos anteriores: Wu (2005); Malagueño et al. (2010)

Extensão do Disclosure – DISCL

Medida da extensão do disclosure em proteger os acionistas minoritários do uso indevido de ativos corporativos, por administradores, para ganhos pessoais, por meio da divulgação de transações com partes relacionadas (pesquisa com mais de 9.000 especialistas locais). O índice varia de 0 a 10, com escores mais altos indicando maior divulgação.

H1B: O grau de corrupção percebida dos países está associado ao grau de disclosure.

Estudos anteriores: Malagueño et al. (2010); e Chen (2011); Houqe e Monem (2016)

Fonte: Doing Business Report, World Bank Database (2018).

Variáveis de controle

GRAU DE DESENVOLV.

Produto Interno Bruto per capita – PIB

Valor do Produto Interno Bruto per capita do país.

Fonte: World Development Indicators (World Bank Data Base, 2016b)

Estudos anteriores: Kimbro (2002), Rock & Bonnet (2004), Houqe & Monem (2016)

Índice de Desenvolvimento Humano – IDH

Valor do Índice de Desenvolvimento Humano do país.

Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2017).

INSTITUIÇÕES POLÍTICAS

Voz e Responsabilidade – VR

Voz e responsabilidade identificam percepções sobre o grau em que os cidadãos do país podem participar na escolha do governo, tem liberdade de expressão e de associação e mídia livre. A pontuação do país no indicador apresenta distribuição normal padrão, variando de aproximadamente -2,5 a 2,5.

Fonte: Worldwide Governance Indicators (World Bank Data Base, 2016b)

Estudos anteriores: Houqe & Monem (2016)

Estado de direito (Rule of Law) – ED

O Estado de Direito identifica as percepções sobre a medida em que os agentes confiam e respeitam as regras da sociedade e, em particular, a qualidade da execução dos contratos, dos direitos de propriedade, da polícia e dos tribunais, bem como a probabilidade de crime e violência. A estimativa pontua o país no indicador, com distribuição normal padrão, variando de aproximadamente -2,5 a 2,5.

Fonte: Worldwide Governance Indicators (World Bank Data Base, 2016b)

Estudos anteriores: Houqe & Monem (2016)

Eficácia do Governo – EGOV

A Eficácia Governamental captura a percepção da qualidade dos serviços públicos, da qualidade da função pública e do grau de sua independência das pressões políticas, da qualidade da formulação e implementação das políticas e da credibilidade do compromisso do governo com tais políticas. A estimativa pontua o país por meio de uma distribuição normal padrão, variando, aproximadamente, de -2,5 a 2,5

Fonte: Government Effectiveness - Worldwide Governance Indicators (World Bank Data Base, 2016b)

CULTURA

Distância do Poder (DP)

O Índice de Distância do Poder expressa o grau em que os membros menos poderosos de uma sociedade aceitam e esperam que o poder seja distribuído de forma desigual. Aponta como uma sociedade lida com desigualdades entre as pessoas. Quanto maior o grau de DP, maior a aceitabilidade das desigualdades de poder

Fonte: Hofstede (2017)

Estudos anteriores: Houqe & Monem (2016); Kimbro (2002); Malagueño et al. (2010)

SISTEMA JURÍDICO

Sistema Legal – SL

Dummy: 1 = civil (code) law; 2 = common law; 3 = mixed legal system

Fonte: The World Factbook, (CIA)

Estudos anteriores: Houqe & Monem (2016); Malagueño et al. (2010)

PROTEÇÃO DOS INVESTIDORES

Proteção dos Investidores – PROT

Índice de Responsabilidade do Diretor, como proxy de proteção dos investidores de 0 a 10, sendo valores mais altos a maior responsabilidade do diretor e maior proteção do investidor

Fonte: Extent of director liability index – Doing Business Report (World Bank Data Base, 2016b).

Estudos anteriores: Houqe & Monem (2016)

CARGA TRIBUTÁRIA

Taxa de imposto total (% do lucro) – TAX

O indicador registra a carga total de impostos e contribuições pagas por uma empresa de médio porte ao longo de um ano

Fonte: Doing Business (World Bank Data Base, 2016b).

Estudos anteriores: Houqe & Monem (2016)

ENFORCEMENT

Enforcement de Contratos - ENF

Indicador de enforcement de contratos (Enforcing Contracts) que mede o tempo e custo para resolver uma disputa comercial por um tribunal local de primeira instância e a qualidade do índice de processos judiciais, avaliando se cada economia adota práticas que promovem qualidade e eficiência no sistema judicial.

Fonte: Doing business report, World Bank Database (2018).

Estudos anteriores: Chen (2011)

Fonte: elaborado pelos autores.

Primeiramente, foi composto um modelo (Modelo 1) para identificar se a corrupção percebida pode ser explicada isoladamente apenas com as variáveis de desenvolvimento econômico, das características das instituições políticas e do ambiente cultural, consideradas as variáveis mais explicativas para a corrupção na literatura (Kimbro, 2002; Picur, 2004; Malagueño et al, 2010; Houqe & Monem, 2016; entre outros). Cumpre ressaltar ainda que, segundo La Porta, Lopez-de-Silanes, Shleifer e Vishny (1999), as categorias econômicas, políticas e culturais representam os determinantes do desempenho institucional.

Para caracterizar o ambiente político, as variáveis Voz e Responsabilidade (VR), Estado de Direito (ED) e Eficácia do Governo (EGOV) são aglutinadas em uma única variável denominado ambiente institucional política (POL) por meio da análise fatorial por componentes principais. Isto posto, o Modelo 1 a ser testado é apresentado como:

ICPijt = β0 + β1POL + β2ECO + β3DP + εi (1)

Cabe ressaltar que a aplicação dos componentes principais atendeu aos pressupostos para se aceitar o fator gerado (teste de adequação KMO de 0,69, teste de esfericidade de Barlett de 0,00, eigenvalue de Kaiser de 2,62 e variação acumulada com a extração de um único fator de 0,87). Na sequência, foram inseridas, alternativamente, as variáveis específicas que medem o ambiente contábil para identificar a força explicativa de cada uma delas sobre a corrupção (modelos 2 e 3).

ICPijt = β0 + β1POL + β2ECO + β3DP + β4IFRS + εi (2)

ICPijt = β0 + β1POL + β2ECO + β3DP + β4DISCL + εi (3)

Foi introduzida também uma variável de interação para verificar se a adoção das IFRS faz diferença para a percepção de corrupção entre os países considerados code law (código 1) e países common law (código 2). A percepção de corrupção depende da eficácia do sistema legal dos países e esses sistemas diferem quanto ao grau de proteção e às oportunidades de atos corruptos de funcionários. O sistema common law se desenvolveu na Inglaterra com vistas a proteger os proprietários de bens privados contra as tentativas do Estado de expropriá-los e controlá-los, enquanto o code law surge de normas elaboradas pelo próprio estado (La Porta et al., 1999; Treisman, 2000). Portanto espera-se que em países com sistema code law, ao adotar as IFRS, possa haver maior efeito quanto ao aumento nas práticas que objetivam proteger os entes privados, porquanto em países common law assume-se que haja um nível satisfatório de proteção.

ICPijt = β0 + β1POL + β2ECO + β3DP + β4IFRS + β5DISCL + β5IFRS*SL + εi (4)

Por último, foi testado um modelo com todas as variáveis inseridas para captar a situação em que coexistisse as variáveis destacadas na literatura, de modo a identificar quais delas possuíam maior poder explicativo. Portanto, na sequência foram inseridas as variáveis do ambiente contábil, as variáveis de desenvolvimento econômico e as características institucionais (grau de desenvolvimento, instituições políticas, cultura, sistema jurídico, carga tributária, enforcement e proteção aos investidores), conforme modelo 5.

ICPijt = β0 + β1POL + β2ECO + β3DP + β4IFRS + β5DISCL + β6SL + β7TAX + β8ENF + β9PROT + εi (5)

Mesmo considerando que haja a aplicação de leis com bons níveis de disclosure, podem ocorrer contribuições limitadas à governança corporativa das empresas caso não ocorra fiscalização e enforcement dessas leis. Esse enforcement se configura com base nas características do ambiente regulador, ao poder de investigação do poder executivo, se existem sansões criminais e se são de fato efetivas, e assim são considerados capazes de reduzir problemas de agência e proporcionar um ambiente com proteção aos investidores (Chen, 2011).

Os sistemas que protegem os investidores externos reduzem a necessidade dos agentes de dentro da empresa (os insiders) de ocultar as práticas, enquanto em ambientes considerados fracos em termos de proteção, há mais incentivos para ofuscar o desempenho das empresas (Leuz, Nanda e Wysocki, 2003). Houqe e Monem (2016) observaram que a corrupção percebida é menor nos países que possuem proteção mais forte dos investidores.

O intuito de testar os modelos sequencialmente consiste em verificar o impacto da inserção de novas variáveis aos modelos iniciais amplamente investigados, ou seja, verifica-se o impacto da inserção do ambiente contábil no modelo compreendido apenas pelas variáveis corrupção, ambiente político, ambiente econômico e ambiente cultural. O mesmo foi feito no estudo de Houqe e Monem (2016).

Para proceder aos testes estatísticos foi utilizado o modelo de regressão por Mínimos Quadrados Generalizados (MQG) com dados empilhados (dados em painel). Previamente, testou-se a normalidade dos dados pelo Shapiro-Francia e para o teste de correlação, o teste de Spearman. Para as variáveis qualitativas (SL e IFRS) aplicou-se o teste de Wilcoxon-Mann-Whitney. Para a correção das variáveis quantitativas aplicou-se a técnica “Kernel density estimate” sugerindo às variáveis PIB per capita (ECO) e IDH a correção por meio do logaritmo neperiano. Para a solução dos problemas de outliers, foi aplicado o método DfFit que indica e exclui os resíduos elevados (Baum, 2006; Fávero, Belfiore, Takamatsu & Suzart, 2014, p. 154).

Quanto ao modelo utilizado de dados em painel, utilizou-se o modelo de efeitos aleatórios, pois nele são incorporados fatores variantes e invariantes ao longo do tempo. Foi aplicado o teste de Breusch-Pagan, o de Hausman e o F de Chow, para identificar o modelo de painel que seria mais indicado para tratar os dados. Os testes apontaram que o modelo mais indicado seria o modelo de efeitos fixos. No entanto, o modelo de efeitos fixos considera que os efeitos no nível país seriam aleatórios eliminando-se os efeitos fixos, o que prejudicaria a pesquisa, pois a variável cultura, uma das variáveis entre as mais determinantes da corrupção (conforme indicado pela literatura e ressaltado anteriormente) é invariante no tempo e em cada país e, portanto, seria eliminada. Para manter essa importante variável no estudo utilizou-se o modelo de efeitos aleatórios (como indicado em Bahnasawy & Revier, 2012).

Para verificar problemas de multicolineariedade aplicou-se o teste do fator de inflação da variância (VIF), para afastar problemas de autocorrelação e heterocedasticidade foi aplicado o método de ajustes dos erros padrões clusterizados (“vce cluster id”) e por meio do teste RESET de Ramsey a estatística apontou ausência de problemas de especificidade, ou seja, não houve variáveis omitidas no modelo.

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

Inicialmente, para testar o modelo, recorreu-se ao modelo de regressão com dados em painel apenas com as variáveis de controle econômicas, políticas e culturais, que são aquelas mais defendidas na literatura como sendo explicativas para o cenário de corrupção dos países. Antes de apresentar os modelos econométricos verificou-se a correlação existente entre as variáveis. Na Tabela 3 é exibida a matriz de correlação de spearman entre as demais variáveis explicativas e o grau de corrupção percebida.

Tabela 3 – Correlação de Spearman das variáveis utilizadas no modelo

Fonte: Elaborado pelos autores.

Legenda: ***significante a 1%; **significante a 5%; *significante a 10%. ICP: Índice de corrupção percebida; COR: Índice Controle de Corrupção de Kauffman; DISCL: Extensão do Disclosure; PIB: PIB per capita e corrigido pela aplicação do logaritmo neperiano; VR: Voz e Responsabilidade; ED: Estado de Direito; EGOV: Eficácia do Governo; DP: Distância do Poder; IDH: Índice de Desenvolvimento Humano corrigido pela aplicação do logaritmo neperiano; TAX: variável de carga tributária, que representa a taxa de imposto total (% do lucro); ENF: Indicador de enforcement de contratos (Enforcing Contracts); PROT: indicador de proteção dos investidores, medido pelo “Índice de responsabilidade do diretor” pelo WorldBank.

Com base na Tabela 3, observa-se que muitas das relações entre as variáveis apresentam significância estatística, o que sugere a confirmação das relações ressaltadas pela literatura. Baseando-se na classificação dos graus de correlação de Hair Jr. et al. (2005), verifica-se que muitas variáveis reportaram correlação alta com a variável ICP, podendo-se citar: Controle da Corrupção (COR), PIB per capita (PIB), Voz e Responsabilidade (VR), Estado de Direito (ED), Eficácia do Governo (EGOV), Distância do Poder (DP), Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Os resultados corroboram os estudos anteriores que afirmam que o uso do ICP ou do COR não causaria diferenças significativas, uma vez que já se nota uma correlação quase total (0,962). Quanto à variável estado de direito (ED) e Eficácia do Governo (EGOV), Voz e Responsabilidade (VR), a relação com o ICP sinaliza que o fato do governo do país ser percebido como aquele que é democrático e que possui qualidade nas regras, nos serviços e na função pública pode proporcionar uma menor corrupção percebida (Bahnasawy & Revier, 2012). Outra variável que apontou alta correlação foi a variável PIB per capita, bem como também o IDH, que são variáveis que sinalizam o nível de desenvolvimento do país. Isso corrobora os argumentos de La Porta et al. (1999) que ressalta que quanto maior é o desenvolvimento do país, melhor é o desempenho do governo, conquanto, menor a corrupção percebida. A Tabela 4 expõe o teste de medianas por meio do Wilcoxon (Mann-Whitney) para verificar a relação entre o ICP e as variáveis qualitativas adoção das IFRS (IFRS) e sistema legal (SL)

Tabela 4 – Wilcoxon rank-sum (Mann-Whitney)

Obs.

∑ postos observados

∑ postos esperados

Sig. Estatística

Decisão

Índice de Corrupção Percebida - ICP (Transparency International)

IFRS

Não adota

96

10704.0

9168.0

0.000

Rejeita H0

Adota

94

7441.0

8977.0

Combinado

190

18145.0

18145.0

Sistema Legal

Code Law

50

15580.0

13370.0

0.000

Rejeita H0

Common Law

140

2565.0

4775.0

Combinado

190

18145.0

18145.0

Fonte: Elaborado pelos autores.

Por meio do teste de Wilcoxon Mann-Whitney (Tabela 4), observa-se que as variáveis de adoção das IFRS e sistema legal estão associadas com a corrupção percebida dos países, uma vez que os testes apontaram que há diferença de medianas entre os grupos de sistemas legais e entre os países que adotam ou não as IFRS. Assim, conforme esperado, o fato do país ser code law e adotar as IFRS pode exercer influência na corrupção percebida. Na Tabela 5 são destacados os resultados dos modelos de dados em painéis.

Tabela 5 –Painel considerando os modelos de estudo, considerando o PIB per capita.

Modelo 1: ICPijt = β0 + β1POL + β2ECO + β3DP + εi

Modelo 2: ICPijt = β0 + β1POL + β2ECO + β3DP + β4IFRS + εi

Modelo 3: ICPijt = β0 + β1POL + β2ECO + β3DP + β4DISCL + εi

Modelo 4: ICPijt = β0 + β1POL + β2ECO + β3DP + β4IFRS + β5DISCL + β5IFRS*SL + εi

Modelo 5: ICPijt = β0 + β1POL + β2ECO + β3DP + β4IFRS + β5DISCL + β6SL + β7TAX + β8ENF + β9PROT + εi

Sinal Esp.

Corruption Perception Index – Transparency

Modelo 1

Modelo 2

Modelo 3

Modelo 4

Modelo 5

Intercep.

?

-19.136

-17.826

-4.641

-5.852

22.941

POL

-

-13.891***

-13.267***

-13.685***

-13.705***

-12.649***

_beta

-0.868

-0.840

-0.857

-0.825

-0.768

ECO

-

-4.192***

-4.243***

-3.917***

-3.381***

-4.143***

_beta

-0.127

-0.171

-0.150

-0.188

-0.176

CULT

+

0.119

0.112

0.129

0.143

0.053

_beta

-0.001

-0.003

-0.012

-0.025

0.001

IFRS

-

-1.296

-4.926**

-0.999

_beta

0.039

0.151

0.034

DISCL

-

-2.376***

-2.961***

-2.884***

_beta

-0.083

-0.070

-0.060

IFRS_SL

-

3.151**

_beta

-0.128

SL

-5.365

_beta

-0.073

TAX

-0.083**

_beta

0.045

ENF

-0.036

_beta

-0.057

PROT

-0.654

_beta

0.020

R² ajus.

0.932

0.918

0.925

0.906

0.910

F/Wald

301.82

270.39

515.51

531.00

949.02

(0.000)

(0.000)

(0.000)

(0.000)

(0.000)

N

178

182

181

184

182

Fonte: dados da pesquisa.

Legenda: ***significante a 1%; **significante a 5%; *significante a 10%. POL: Fator de Ambiente Institucional Político gerado por Componentes Principais; ECO: Ambiente econômico representado pelo PIB per capita e corrigido pela aplicação do logaritmo neperiano; CULT: Ambiente Cultural representado pela variável Distância do Poder, indicador de cultura de Hofstede; IFRS: Dummy de adoção das IFRS (1=adota; 0=não adota); DISCL: Extensão do Disclosure; IFRS_SL: variável de interação entre a adoção das IFRS e Sistema Legal; SL: Dummy de Sistema Legal (1=code law; 2=common law); TAX: variável de carga tributária, que representa a taxa de imposto total (% do lucro); ENF: Indicador de enforcement de contratos (Enforcing Contracts); PROT: indicador de proteção dos investidores, medido pelo “Índice de responsabilidade do diretor” pelo WorldBank.

Os resultados do modelo inicial permitiram evidenciar que as variáveis independentes referentes ao desenvolvimento do país e à força das instituições políticas, de forma conjunta, conseguem explicar 93,20% das variações do ICP dos países, tendo o teste retornado um p-valor inferior de 0,000, isto é, nos países com instituições políticas fortes e PIB per capita maior, tende-se a observar menor corrupção percebida.

O estudo confirma estudos anteriores (Sandholtz & Koetzle, 2000; Houqe & Monem, 2016) que encontraram que a estrutura político-econômica dos países pode explicar as escolhas e comportamentos dos indivíduos e, consequentemente, as variações do índice de corrupção percebida. Verifica-se, por meio da análise do beta, que a variável do ambiente político é a que tem maior influência na corrupção percebida, tendo cerca de sete vezes mais influência sobre o indicador ICP do que o PIB per capita que apresentou significância estatística quase em sua totalidade.

Os achados da pesquisa são consistentes com os resultados de Bahnasawy e Revier (2012), pois estes autores sugeriram que a aplicação de leis fortes e claras, uma maior participação dos cidadãos na seleção do governo e uma maior liberdade de expressão podem auxiliar na mitigação da corrupção percebida. Infere-se, portanto, que, aumentando as práticas democráticas, a possibilidade de mídia livre, enrijecendo e melhorando a qualidade das regras, e conquistando o respeito da população por tais regras podem ser importantes alternativas para mitigar a corrupção percebida dos países.

Os resultados referentes à influência do ambiente econômico reforçam os estudos anteriores que encontraram que os países em desenvolvimento tendem a ser mais corruptos do que os desenvolvidos (Houqe & Monem, 2016) e que em países mais ricos, havendo maior volume de transações econômicas, para não prejudicar a economia local, os países investem em sistemas que bloqueiam a corrupção percebida (Malaqueño et al., 2010).

No que se refere ao ambiente cultural (DP), esperava-se que, quanto mais distante do poder fosse a população, maior seria a corrupção percebida do país (ou seja, associação positiva). Embora o sinal do teste tenha sido atendido, o resultado do modelo apresentou que a variável cultural, para a mostra da pesquisa, não exerceu influência na corrupção percebida. Estes achados refutam os resultados encontrados em estudos anteriores (Malagueño et al., 2010; Houqe & Monem, 2016), que demostraram que a cultura exerce influência significativa na corrupção percebida.

Após estimados os modelos com as variáveis que mais se destacam na literatura como determinantes para a redução da corrupção, foram inseridas as variáveis do ambiente contábil. Verificou-se que com a inserção da variável IFRS, o modelo perdeu poder explicativo de 93,2% para 91,8% e que a variável IFRS não apresentou significância estatística. Assim, pode-se inferir que a adoção das IFRS, por si somente, não garante influências sobre a corrupção percebida.

Esses resultados corroboram os argumentos de Wu (2005) e Kythreotis (2015) de que a simples conformidade com normas contábeis consideradas de alta qualidade não garante, automaticamente, a redução da corrupção percebida dos países (Wu, 2005; Kythreotis, 2015).

Posterior à inserção da variável de adoção das IFRS, adicionou-se a variável disclosure, com o objetivo de verificar se o grau de transparência das informações seria capaz de reduzir a corrupção, conforme detectado também por Houqe & Monem (2016). Constatou-se que apesar de na investigação da correlação a variável disclosure não ter apresentado significância estatística, na análise de dados em painel ela apresentou significância estatística a 1% em todos os modelos em que foi incluída, muito embora, notando o beta padronizado, verifica-se que o seu poder de influência sobre o ICP seja dez vezes (observado por meio da divisão do beta da variável POL pela beta da variável DISCL) menor do que poder de influência do ambiente político. Mesmo com a baixa influência observada, verifica-se que melhor nível de evidenciação das informações contábeis pode auxiliar na luta anticorrupção, uma vez que a informação contábil é um instrumento pelo qual as empresas privadas demonstram que operam legalmente e as instituições públicas e seus gerentes são tidos como agentes responsáveis perante o público (Malaqueño et al., 2010).

No modelo 4 nota-se que ao incluir as duas variáveis contábeis (IFRS e DISC), simultaneamente, a variável IFRS ganha significância estatística a 5%, o que pode denotar que, na presença de um ambiente de transparência informacional, adotar as IFRS pode impactar na corrupção percebida dos países. Buscou-se, nesse modelo, inserir também uma variável moderadora que apontasse a ocorrência de diferenças no índice de corrupção percebida entre países code law e common law quando adotada as IFRS. Um fato curioso é que o índice aponta que países common law e que adotam as IFRS tendem a apresentar maior corrupção ao longo dos anos.

Buscando possíveis inferências para o fato, sugere-se que o resultado denota que em países que não adotam as IFRS ou adotam as IFRS, porém são de origem code law, podem experienciar maior redução nos índices de corrupção em detrimento dos países de origem common law. Outra sugestão consiste no fato de que, para os países de origem common law, com a adoção das IFRS e as possibilidades de escolhas contábeis originadas desse padrão contábil, possa ter ocorrido maior subsídio às práticas de gerenciamento de resultados. No entanto, ressalta-se que estas inferências precisam ser investigadas empiricamente em pesquisas futuras.

No modelo 5, ao inserir as demais variáveis possíveis de determinação da variação no ICP dos países, verificou-se que a variável IFRS perdeu significância estatística e que a variável carga tributária apontou significância estatística. Esse resultado refutou a expectativa de que uma alta taxa de imposto poderia induzir mais corrupção em uma economia ao incentivar a evasão fiscal, uma vez que os indivíduos teriam mais incentivos para aceitar e pagar subornos para assim ganharem contratos públicos e/ou pagarem menos impostos (Wu, 2005; Transparency, 2010).

Por outro lado, pode-se sugerir que, baseado na visão de que a tributação possibilita o aumento dos recursos públicos e ajuda a fornecer mais bens públicos, quantitativa e qualitativamente (Transparency, 2010), com esse aumento de infraestrutura fornecida pelo governo, as pessoas são desincentivadas a cometer práticas de corrupção, pois estariam satisfeitas com os bens fornecidos. A Tabela 6 mostra o modelo considerando a variável IDH alternativamente ao PIB per capita.

Tabela 6 –Painel considerando os modelos de estudo, considerando o IDH.

Modelo 1: ICPijt = β0 + β1POL + β2IDH + β3DP + εi

Modelo 2: ICPijt = β0 + β1POL + β2IDH + β3DP + β4IFRS + εi

Modelo 3: ICPijt = β0 + β1POL + β2IDH + β3DP + β4DISCL + εi

Modelo 4: ICPijt = β0 + β1POL + β2IDH + β3DP + β4IFRS + β5DISCL + β5IFRS*SL

Modelo 5: ICPijt = β0 + β1POL + β2IDH + β3DP + β4IFRS + β5DISCL + β6SL + β7TAX + β8ENF + β9PROT + εi

Sinal Esp.

Corruption Perception Index - Transparency

Modelo 1

Modelo 2

Modelo 3

Modelo 4

Modelo 5

Intercep.

?

-61.839

-61.000

-40.920

-36.844

-23.933

POL

-

-16.215***

-15.418***

-15.814***

-15.075***

-14.744***

_beta

-0.909

-0.897

-0.915

-0.888

-0.821

IDH

-

-15.311**

-15.794***

-13.138**

-15.628***

-12.174**

_beta

-0.080

-0.098

-0.092

-0.119

-0.084

CULT

+

0.101

0.100

0.119

0.140

0.081

_beta

-0.003

0.001

-0.020

-0.035

-0.007

IFRS

-

-2.066**

-6.893***

-1.897

_beta

0.031

0.144

0.028

DISCL

-

-2.877*

-3.575***

-3.415***

_beta

-0.084

-0.069

-0.064

IFRS_SL

-

4.436***

_beta

-0.131

SL

-3.294

_beta

-0.067

TAX

-0.046

_beta

0.046

ENF

0.002

_beta

-0.109

PROT

-0.640

_beta

-0.002

R² ajus.

0.929

0.913

0.910

0.883

0.885

F/Wald

279.56

233.34

372.10

383.55

441.97

(0.000)

(0.000)

(0.000)

(0.000)

(0.000)

N

179

182

183

184

184

Fonte: dados da pesquisa.

Legenda: ***significante a 1%; **significante a 5%; *significante a 10%. POL: Fator de Ambiente Institucional Político gerado por Componentes Principais; IDH: Índice de Desenvolvimento Humano corrigido pela aplicação do logaritmo neperiano; CULT: Ambiente Cultural representado pela variável Distância do Poder, indicador de cultura de Hofstede; IFRS: Dummy de adoção das IFRS (1=adota; 0=não adota); DISCL: Extensão do Disclosure; IFRS_SL: variável de interação entre a adoção das IFRS e Sistema Legal; SL: Dummy de Sistema Legal (1=code law; 2=common law); TAX: variável de carga tributária, que representa a taxa de imposto total (% do lucro); ENF: Indicador de enforcement de contratos (Enforcing Contracts); PROT: indicador de proteção dos investidores, medido pelo “Índice de responsabilidade do diretor” pelo WorldBank.

Conforme esperado, a variável IDH apresentou significância estatística e influência sobre os resultados do índice de corrupção percebida, apontando que o aumento do índice de desenvolvimento humano dos países pode reduzir a corrupção percebida dos países. No entanto, os resultados apontaram que apesar de ser esperado que esse índice, por abranger fatores que vão além do desenvolvimento econômico (PIB), ao utilizar, também, o grau de qualidade de vida e nível de instrução educacional, o PIB per capita indicou maior influência na corrupção percebida. Verifica-se que quando utilizado o PIB, o modelo apresentava um R² de 93,2% e quando utilizado o IDH, apresentou 92,9%. A diferença foi muito superficial, no entanto, complementarmente, verifica-se que a variável IDH foi menos explicativa (beta de 0,80) do que o PIB (beta de 0,127). Desta forma, confirma-se a prevalência do PIB como variável mais apropriada para representar o ambiente econômico dos países como instrumento anticorrupção.

Desta forma, aceita-se a hipótese H1, evidenciando que para os países do G20, que engloba tantos países desenvolvidos, quanto emergentes, o grau de corrupção percebida dos países está associado à força do ambiente contábil, considerando a confirmação do H1B de que o grau de corrupção percebida está associado à extensão do disclosure (Kimbro, 2002; Malagueño, et al., 2010; Houqe; Monem, 2016).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve como objetivo identificar a associação entre o ambiente contábil e o grau de corrupção percebida dos países pertencentes ao grupo dos países G20, traçando como objetivos específicos, identificar a contribuição da convergência às IFRS e verificar a contribuição da extensão do disclosure contábil (como proxies do ambiente contábil) para o cenário de corrupção desses países Além disso, foi possível observar os fatores institucionais que melhor explicam o cenário de corrupção, inclusive acerca da associação entre o cenário dessa corrupção e o nível de desenvolvimento humano como proxy alternativa ao Produto Interno Bruto (PIB), comumente utilizado nas pesquisas anteriores.

Como resultados da pesquisa, foi encontrado que além das forças das instituições políticas e do desenvolvimento do país, a força do ambiente contábil também influencia o grau de corrupção percebida, ou seja, quanto maior o nível de disclosure das informações, menores são as percepções de corrupção. Certificou-se que o indicador IDH, em substituição ao PIB per capita utilizado em estudos anteriores, explica com significância estatística o grau de corrupção percebida dos países, porém, com a utilização do PIB o modelo melhora o seu poder de explicação.

Em resumo, verificou-se que o grau de corrupção está associado ao ambiente contábil, atendida à hipótese de que a extensão do disclosure influencia a corrupção percebida dos países, e que a adoção das IFRS por si só não proporciona redução no ICP, confirmando apontamentos de pesquisas anteriores. Constatou-se que os fatores institucionais políticos, conjugados com os índices de voz e responsabilidade, eficácia do governo e estado de direito, seriam os fatores de maior potencialidade para reduzir o cenário de corrupção. A carga tributária do país foi apontada como determinante da corrupção percebida, apresentando associação negativa com a mesma, ou seja, quanto maior a carga tributária, menor a corrupção percebida dos países. As variáveis de cultura, sistema legal, grau de enforcement e proteção dos investidores não explicaram o grau de corrupção dos países.

A partir das evidências, sugere-se que a principal forma da Contabilidade auxiliar na redução da corrupção dos países seria por meio da melhora das informações divulgadas, tanto em termos de frequência e tempestividade, quanto em termos de qualidade dessa informação. O estudo corrobora parcialmente com as pesquisas que apontaram que apenas adotar as IFRS não garante melhora do ambiente contábil e consequente redução da corrupção, porém não atende no que se refere à investigação sobre se a qualidade da contabilidade (representado por proxies de opacidade dos resultados e outras proxies de qualidade) tenderia a melhor influenciar na corrupção percebida. Portanto, sugere-se para futuras pesquisas explorar melhor esse indicador do ambiente contábil.

O estudo contribui para a literatura no aprofundamento acerca dos impactos do ambiente contábil para a sociedade, uma vez que, conforme a plataforma teórica e o que foi discutido na pesquisa, a Contabilidade pode exercer função inibidora das práticas de corrupção. O estudo apresenta, também, como contribuição, a sinalização das vantagens de melhores apresentações das informações contábeis.

Como limitação da pesquisa compreende-se a não inserção de novas variáveis do ambiente contábil em detrimento da proposta de se investigar apenas informações dos países, acessível à presente pesquisa. Sugere-se, adicionalmente, para pesquisas futuras a exploração de dados de empresas para extrair outras variáveis do ambiente contábil (como a opacidade dos ganhos, auditoria BigFour, dentre outras). Considera-se, por fim, que a corrupção prejudica a sociedade e que a Contabilidade pode ser um agente importante nesse cenário como inibidor da corrupção.

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1 reiner.botinha@gmail.com - Universidade Federal de Uberlândia-MG. Brasil. https://orcid.org/0000-0001-9968-6484

2 sirlemes@uol.com.br - Universidade Federal de Uberlândia-MG. Brasil. https://orcid.org/0000-0003-3334-4240

DOI: http://dx.doi.org/10.14392/asaa.2019120107

Trabalho premiado como melhor artigo no II Congresso UFU de Contabilidade.

Artigo submetido em: 02/07/2018. Revisões requeridas: 22/02/2019. Aceito em: 18/03/2019.